Livro
25 de abril de 2007Brutalidade, amputações e tortura faziam parte da rotina diária que Murat Kurnaz teve que agüentar por quase cinco anos. O jovem, hoje com 24 anos, nasceu na Alemanha, mas possui a cidadania turca. Ex- prisioneiro de Guantánamo, ele travou uma batalha legal com o governo alemão, acusando as autoridades do país de não terem garantido sua segurança como deveriam.
Seu livro de memórias, intitulado Cinco Anos de Minha Vida, chegou na última terça-feira (24/04) às livrarias do país. No volume, o ex-prisioneiro observa que, na prisão, "podiam fazer com a gente o que bem entendessem".
Interrogatórios sob tortura
Kurnaz foi detido no Paquistão, pouco depois dos ataques do 11 de setembro de 2001. O jovem insiste em dizer que não viajou até o país para combater ao lado de membros da Al Qaeda, mas sim para trabalhar para uma organização islâmica chamada Força da Salvação, voltada para o auxílio a desabrigados e outros necessitados em geral.
Kurnaz afirma ter sido "vendido" para soldados norte-americanos por caçadores inescrupulosos de supostos terroristas, em busca de recompensas financeiras. Do Paquistão, o jovem turco-alemão foi levado para o Afeganistão, onde foi submetido a interrogatórios sob tortura.
Sem auxílio alemão
Kurnaz, de acordo com seu relato, foi mantido por dias com as mãos atadas às costas, além de ter sido vítima de choques elétricos. Enquanto isso, esperava, em vão, a ajuda das autoridades alemãs.
"Um dos soldados alemães apareceu, levantou minha cabeça e perguntou se eu sabia onde estava", conta Kurnaz. "Disse que ele e os outros pertenciam a um batalhão de elite e bateu com a minha cabeça no chão. Mais tarde, outro deles apareceu, me chutou e o grupo de soldados começou a dar risadas", relembra o jovem.
Amputações desnecessárias
Kurnaz foi, em seguida, transportado para a prisão de Guantánamo. Em seu livro de memórias, ele acusa os soldados norte-americanos de graves maus-tratos. Além disso, descreve como médicos optavam por amputações desnecessárias e como os guardas de segurança agrediam fisicamente os prisioneiros.
O jovem turco-alemão ficou um ano confinado numa solitária, passando frio, calor, sofrendo com a falta de luz e de ar puro. "Não acreditava que sairia de lá com vida. Pressentia que poderia morrer a qualquer momento. Com freqüência, eu perdia a consciência por causa da dor e do frio. Meu corpo não agüentava mais", lembra.
Intervenção pessoal
Apenas em agosto de 2006, a então recém-eleita chanceler federal alemã, Angela Merkel, intercedeu pessoalmente na questão, pedindo a liberação de Kurnaz de Guantánamo. Os EUA já haviam estado dispostos a liberar Kurnaz em 2002, mas a Alemanha relutou em aceitá-lo de volta ao país naquele momento. Uma situação que se transformou em um escândalo e desencadeou até mesmo uma CPI no Parlamento.
As investigações giraram em torno de dois pontos: saber se Kurnaz representou, no momento em que foi preso, alguma organização terrorista. E se o governo alemão poderia ter feito mais por ele do que realmente fez.
De acordo com o ex-ministro do Interior, Otto Schily, a então coalizão de governo social-democrata-verde, sob o comando do ex-chanceler Gerhard Schröder, reagiu adequadamente à situação. "Somos responsáveis pela segurança dos nossos cidadãos. E isso inclui manter pessoas que representam um perigo para a segurança distantes do nosso país. Esse era o caso de Murat Kurnaz", declarou Schily.
Agora, já de volta a Bremen, sua cidade-natal, Kurnaz afirma que pretende continuar vivendo normalmente. Suas intenções com a publicação do livro não são, garante o jovem, bater recordes de vendas, mas simplesmente contar ao mundo como os prisioneiros com os quais esteve perderam suas pernas, mãos e vidas na Baía de Guantánamo.