Merkel visita Espanha entre otimismo do governo e descrédito da população
24 de agosto de 2014Ao se encontrar com sua homóloga alemã, Angela Merkel, na cidade de Santiago de Compostela, neste domingo e segunda-feira (24 e 25/08), o chefe de governo da Espanha, Mariano Rajoy, estará apto a exibir dados recentes indicando uma recuperação da economia nacional em diversas áreas. A chanceler federal vem de uma rápida visita a Kiev, onde acenou com perspectivas de ajuda alemã para a Ucrânia.
No entanto, o clima entre a população espanhola é de pessimismo. Uma sondagem recente da agência de pesquisa de opinião Metroscopia revelou que 74% dos espanhóis acham que seu governo não sabe como lidar com a situação. Apenas um terço acredita que a Espanha tem um futuro promissor.
Isso contrasta fortemente com a mensagem, pronunciada por Rajoy na segunda semana de agosto, de que "os espanhóis estão começando a ver um progresso" após a crise econômica dos últimos cinco anos. "Fatalismo e desespero estão dando lugar a uma razoável sensação de confiança no futuro", afirmou o premiê, para quem não há dúvida de que estão dando frutos as penosas medidas de austeridade de seu governo conservador.
Recuperação relativa
De fato, poucos meses atrás a Espanha emergiu oficialmente de uma dupla recessão. Em julho, o Fundo Monetário Internacional (FMI) corrigiu para cima suas previsões de crescimento econômico espanhol para 2014, de 0,9% para 1,2%. Mais tarde, o Banco da Espanha anunciou que em 2013 havia crescido em 10% o crédito para as pequenas empresas, que estiveram entre as principais vítimas da retração nos anos recentes.
O que talvez seja mais relevante para os cidadãos espanhóis é que seu mercado de trabalho está finalmente mostrando sinais de melhora – ou, nas palavras de Rajoy, "uma reviravolta de 180 graus". Com uma queda de 300 mil no número dos sem trabalho no primeiro trimestre, o índice de desemprego caiu de 25,9% para 24,5%.
"A tendência de eliminação de empregos reverteu-se agora para a de empregos sendo criados", confirma Luís Torrens, economista do Centro de Pesquisa Setor Público-Setor Privado da IESE Business School, em Barcelona.
O governo espanhol alega que a controvertida reforma trabalhista que introduziu em 2012, a fim de simplificar admissões e demissões, está reduzindo as taxas de desemprego. Segundo Torrens, porém, a qualidade dos novos postos também precisa ser examinada, não apenas a quantidade.
"O trabalho que está sendo criado é de expediente parcial ou temporário, portanto não oferece estabilidade", aponta. "Nenhum banco vai liberar uma hipoteca para alguém que tenha um contrato temporário de trabalho."
39 mil despejos em 2013
Apesar de seu aparente otimismo, Madri calcula que o desemprego ainda permanecerá acima de 20% até 2017. E, embora o crédito esteja fluindo mais livremente do que durante a fase mais profunda da crise, as empresas ainda estão pagando juros bem mais altos do que a média da zona do euro.
A Espanha apostou seriamente no turismo e nas exportações como meio para sair da crise. A indústria turística vem apresentando bom desempenho, com um recorde de 28 milhões de visitantes no primeiro semestre de 2014. Por outro lado, as chances de uma recuperação total por meio das exportações parecem reduzidas, já que a economia da zona do euro – destino de 60% das vendas espanholas – está mais uma vez em apuros.
Os despejos frequentes são um dos sintomas mais óbvios da continuada crise econômica na Espanha entre a população. O alto índice de desemprego incapacitou muitas famílias a pagarem suas hipotecas, e a rigorosa lei espanhola de rescisão dificulta qualquer tipo de negociação com os bancos.
Embora o governo tenha respondido à pressão dos protestos populares com uma emenda na lei em 2013, isso parece ter surtido pouco efeito. Segundo estimativas do Banco da Espanha, 39 mil famílias foram despejadas no ano passado, praticamente o mesmo número que em 2012.
A cara dos "invisíveis"
Nos últimos meses, um grupo de espanhóis para quem a suposta recuperação econômica do país não passa de uma miragem vem chamando a atenção de maneira inusitada. Por meio de uma campanha no distrito madrileno de Tetuán, o grupo denuncia a desigualdade social com palavras contundentes.
Os ativistas, que se denominam "Invisíveis de Tetuán", distribuíram pôsteres que mostram os rostos e contam as histórias de cinco mulheres que, com recursos muito limitados, lutam dia a dia pela sobrevivência de suas famílias nos prédios de apartamento no distrito de baixa renda.
"Sou uma das 8.557 aposentadas em Tetuán que sobrevivem com 339 euros por mês", diz a cidadã chamada Carmen. E prossegue: "Vou pegar comida num banco de alimentos a cada 15 dias. Minha principal preocupação é pagar a conta de luz." Suas apreensões são ecoadas por Sílvia: "Sou uma das 23 mil pessoas de Tetuán que ou comem ou pagam a luz e a água."