Mesmo inelegível, Berlusconi dá o tom na campanha italiana
28 de fevereiro de 2018Em Palermo, na Sicília, Ballarò oferece tudo o que se espera de uma feira numa cidade costeira do sul da Itália: peixe fresco, frutas e vegetais. Entre as barracas também há salões de cabeleireiro africanos e restaurantes árabes. Duas mulheres usando o véu islâmico vendem especiarias orientais. E quase todos são conhecidos do padre Enzo Volpe, sejam comerciantes sicilianos, sejam imigrantes.
Há 30 anos, a sua igreja de Santa Chiara foi a primeira comunidade católica na Itália a abrir as portas para migrantes e os filhos deles. Naquela época, vinham para a Sicília principalmente trabalhadores sazonais de Bangladesh, hoje são sobretudo homens jovens de países da África Subsaariana.
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"O tom na atual campanha eleitoral para as eleições legislativas de 4 de março é muito duro", afirma o padre Volpe. "Tenho receio de que a migração seja instrumentalizada de forma eleitoreira tanto pela direita quanto pela esquerda", comenta. Segundo o religioso, os políticos deveriam ver os migrantes como oportunidade e não como ameaça.
"Após a violência que vivenciamos em Macerata, corremos o risco de nos concentrar demais nos problemas de integração ou racismo, esquecendo o elemento conector: a convivência", ressalta Volpe. Três semanas atrás, um extremista de direita atirou em pessoas com pele escura na cidade de Macerata, centro da Itália, ferindo gravemente seis imigrantes.
Migrantes como "bomba-relógio social"
O ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi, magnata da mídia que já ocupou o cargo quatro vezes, está inelegível após uma condenação por evasão fiscal. Mesmo assim, ele continua sendo presidente da legenda por ele fundada, a Força Itália, e para a qual agora faz campanha. Após o tiroteio em Macerata, Berlusconi apareceu numa de suas estações de TV e chamou os imigrantes que entraram ilegalmente na Itália de "bomba-relógio social que pode explodir a qualquer momento."
Ele também prometeu deportar 600 mil migrantes se a sua coligação de partidos de direita chegar ao poder. Esse anúncio fez com que a aliança, que além dos conservadores da Força Itália, inclui os extremistas de direita Liga Norte e Irmãos da Itália, pudesse aumentar ligeiramente sua liderança nas pesquisas.
"Quando se acompanha a campanha eleitoral na TV, tem-se a impressão de que a Itália não tem nenhum outro problema além dos migrantes", comenta Souleymane Bangoura. Proveniente da Guiné, o jovem de 25 anos chegou a Palermo através do Mediterrâneo em agosto de 2017. Atualmente, ele aprende italiano num curso dirigido por voluntários. "Alguns candidatos estão explorando sem perdão o tema da migração para ganhar votos, o que me preocupa", afirma Bangoura.
Mulheres pró-Berlusconi
Ada Terenghi apoia a política migratória de Berlusconi. Pela primeira vez, ela está se candidatando a um assento no Parlamento em Roma e quer ganhar o distrito eleitoral de Palermo para a Força Itália. "Nós não estamos fazendo campanha às custas dos migrantes, muito pelo contrário", diz a funcionária do departamento municipal de energia.
Segundo ela, a maioria dos migrantes ilegais está descontente na Itália e quer voltar para seus países de origem. Uma política migratória baseada na proteção das fronteiras e nas deportações seria correta, afirma Terenghi.
A candidata atribui o retorno de Berlusconi ao cenário político italiano ao seu sucesso como homem de negócios. Ela explica que a política de austeridade do governo de centro-esquerda atingiu duramente muitos cidadãos do país e que, mesmo depois de anos de economia, o orçamento estatal ainda está por ser saneado.
"Berlusconi provou sua capacidade em várias ocasiões no passado. Sua determinação e paixão são os motivos pelos quais nós, sicilianos e, em breve, tomara também o resto dos italianos, apostamos nele". A aliança de centro-direita de Berlusconi ganhou as eleições regionais na Sicília em novembro de 2017. O pleito foi considerado um teste para as próximas eleições parlamentares.
De acordo com Terenghi, os inúmeros escândalos envolvendo Berlusconi também se devem ao seu sucesso. Um suposto relacionamento com uma prostituta menor de idade o levou até mesmo aos tribunais. "As mulheres se aproximam dele por ele ter tanto poder. Seu sucesso fascina." Para Terenghi, ser mulher e apoiar Berlusconi não é uma contradição. "Eu não julgo as pessoas pelo que falam delas, julgo-as por sua capacidade. E, com sua competência, ele pode fazer muito pela Itália."
"A Máfia sai ganhando"
À noite, quando os vendedores de legumes e peixe desmontam suas barracas na feira, o distrito de Ballarò se torna palco de negócios ilícitos. Drogas e produtos falsificados são oferecidos, e a Máfia siciliana estaria metida nisso. "Quarenta anos atrás, Palermo era a capital mundial da Máfia", diz o prefeito da capital da Sicília, Leoluca Orlando. Sua residência oficial fica a apenas duas ruas do mercado. Ele afirma que, embora a Máfia ainda esteja presente, perdeu muito de sua influência.
Com apenas algumas interrupções, Orlando ocupa o cargo de prefeito desde 1985 e lutou durante toda sua vida contra o crime organizado. "Não estou dizendo que Berlusconi é um mafioso, mas seu estilo político é exatamente o que a Máfia precisa", afirma o político local, acrescentando que as organizações criminosas se beneficiaram com seu interesse por negócios rápidos, como também com seu desprezo por estruturas estatais tradicionais.
Entre os vendedores do mercado de Ballarò, o retorno de Berlusconi é mais bem-visto. "Quando Silvio estava no poder, as coisas eram melhores. Havia mais trabalho", diz um dos feirantes. "Berlusconi pode nos salvar. Vou votar nele com certeza. Quem já tem o suficiente rouba menos, se você entende o que quero dizer", afirma outro. Só aqui e ali se escuta desapontamento. Um terceiro vendedor reclama que, tanto faz votar na direita ou na esquerda, a situação vai permanecer a mesma.
Seja qual for o resultado: o padre Volpe continuará a lutar por seu bairro multicultural. "Nossos valores cristãos nos proíbem de excluir ou discriminar qualquer pessoa. Exorto os políticos a darem uma oportunidade a todos."
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