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EducaçãoArgentina

Milei e Bolsonaro: o desprezo pelas universidades públicas

Vinícius de Andrade
Vinícius De Andrade
2 de maio de 2024

Bolsonaro e Milei nunca pensaram duas vezes antes de atacar as universidades públicas de seus respectivos países. Há uma agenda estratégica por trás dos ataques.

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Javier Milei
"Ao lado de Milei, Bukele parece moderado e Bolsonaro sério"Foto: Juan Mabromata/AFP

Ganhou cinco prêmios Nobel, formou 16 presidentes e estava entre as 100 melhores universidades do mundo: essas são apenas algumas das conquistas da Universidade de Buenos Aires (UBA). Incrível, né? Mas isso não impediu Javier Milei, o polêmico presidente argentino, de descrever a universidade como "um espaço de doutrinação comunista e lavagem cerebral".

O ataque também afetou o orçamento das instituições públicas de ensino superior na Argentina. Atualmente, o país tem a maior inflação do mundo, cerca de 290 % anuais, mas foi liberado para a instituição o mesmo orçamento de 2023. Emiliano Yacobitti, o vice-reitor da UBA, disse em uma entrevista que o hospital universitário precisou até cancelar algumas cirurgias e que a instituição corre o risco de eventualmente não conseguir arcar mais com despesas operacionais básicas, como luz e água.

Tive a oportunidade de conversar com Estefanía Paola Cuello, advogada e professora de Teoria do Estado e História do Direito na Faculdade de Direito da UBA. "Sou contra as políticas de cortes levadas a cabo por Milei. As universidades favorecem a construção da identidade do país, uma vez que promovem e endossam a própria função do Estado. Atacar elas é atacar qualquer possibilidade de aproximação dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade", afirmou.

Segundo ela, governos como o de Milei tendem à disciplina e à censura dos centros de pensamento. "Contudo, no caso particular da Argentina, o atual executivo está adotando um papel exageradamente ridículo e desnecessário na sua gestão pública. Milei transcende os discursos comuns na América Latina que lutam contra o ‘marxismo cultural'. Ao lado de Milei, Bukele parece moderado e Bolsonaro sério. Mas sua busca vai além de uma posição ideológica. É a busca pelo posicionamento digital através do desprezo por qualquer manifestação cultural séria. O presidente argentino busca ser uma estrela das redes sociais, uma réplica vulgar de Bukele".

O caso Argentino me lembra muito o caso brasileiro. A USP, a Unesp, a Unicamp, a UFRJ, a UFRGS, a UFBA, a UFMG e muitas outras instituições de ensino superior público brasileiro são referência mundial, mas isso não as impediu de serem alvo de perseguição do ex-presidente, Jair Bolsonaro. Ele e Milei compartilham, além de outras características, um aparente ódio pelo ensino superior público, classificando as universidades como supostos centros de esquerda e espaços de comunismo, que fazem lavagem cerebral.

A UFRJ, assim como a UBA, chegou bem próximo de fechar as portas simplesmente por correr o risco de não conseguir pagar as despesas de luz.

Espaços plurais

A semelhança descrita acima não é coincidência e para entender melhor eu entrevistei Paolo Ricci, cientista político e professor da Universidade de São Paulo (USP). "Há certo consenso na literatura em chamar esses políticos de populistas. Em seus discursos, é uma constante a contraposição entre o povo, moralmente puro, e os "outros", a elite, vistos como corruptos e imorais fazendo amplo uso de uma linguagem emotiva. Na América Latina, a direita populista centra sua fala contra a esquerda taxada não apenas de ser corrupta, mas de ser comunista e socialista; uma caracterização extremamente marginal. Em geral, o que caracteriza um discurso populista é a simplificação de questões complexas dando a entender que os populistas possuem soluções para os problemas que os "outros" não conseguem enfrentar", afirmou.

Ele continua: "Um dos elementos destacados pelos estudiosos é o aspecto antipluralista dos populistas no sentido de se apresentar com os únicos que representam o povo. Aqui, portanto, temos que reconhecer um aspecto autoritário no populista, voltado para deslegitimar a ação do opositor em termos competitivos e representativos. Milei e Bolsonaro se enquadram nessa ideia. Se a literatura tem clareza sobre o populismo autoritário de Bolsonaro, Miliei ainda está sob avaliação, mas há fortes similaridades entre os dois".

O ataque às universidades, segundo ele, não é uma constante entre os governos populistas. Esses ataques no Brasil são "uma tentativa a mais de deslegitimar o PT e, mais em geral, a esquerda e suas pautas que encontram expressão no âmbito universitário, como as pautas identitárias".

Já na Argentina, segundo Cuello, "este movimento, talvez, tenha sido uma tentativa de se destacar pelo contraste e se opor diametralmente às políticas públicas características dos governos de Cristina Fernández de Kirchner e do peronismo em geral. Possivelmente, ele procurou atrair o eleitorado antiperonista e o emergente eleitorado libertário".

Além disso, os dois especialistas também concordam em um importante aspecto: não é verdade que há uma hegemonia esquerdista nas universidades públicas. Elas são, muito pelo contrário, espaços heterogêneos de correntes e posicionamentos.

Faço no mestrado em uma universidade pública e cursei a graduação em outra, ambas estão entre as melhores do país. São centros de excelência e que não "doutrinam" seus alunos, mas sim os provocam para despertar o próprio senso crítico.

Graças à formação que recebemos, conseguimos, inclusive, perceber o quanto governantes como os aqui descritos se maquiam com uma narrativa pró-povo, anticorrupção e a favor da liberdade, quando na verdade são antidemocracia e não se preocupam nem um pouco com próprio povo.

Muitos deles, talvez não coincidentemente, não estudaram em uma universidade pública. Se dedicassem o mesmo tempo que gastam falando mal delas as visitando, saberiam o que realmente acontece lá e talvez teriam posicionamentos diferentes e mais respeitosos com instituições que, inclusive, impulsionam o desenvolvimento do país.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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A coluna quinzenal é escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade.