Mina alemã serve de palco a Zé Celso e "Os Sertões"
20 de maio de 2004Krieg in Sertão (Guerra no Sertão) é como se chama o espetáculo que o Teatro Oficina apresentará pela primeira vez entre 20 e 23 de maio no Festival de Recklinghausen, na Alemanha. O título é o mesmo que recebeu a edição alemã do romance de Euclides da Cunha, traduzido por Berthold Zilly.
Como a peça é falada em português, Zilly, que é professor da Universidade de Berlim, fará uma introdução antes de cada uma das quatro partes do espetáculo, encenadas cada qual num dia, e que seguem a divisão do livro:
- A Terra
- O Homem 1 – do pré-homem à revolta
- O Homem 2 – da revolta ao trans-homem
- A Luta
José Celso Martinez concebeu o espetáculo em cinco partes, das quais três já foram exibidas no Brasil. A Luta, em princípio, acontecerá em duas partes. Na Alemanha, se dará a pré-estréia do trabalho já realizado, em um espetáculo.
A réplica do Oficina numa mina
A direção do Festival de Recklinghausen, pela primeira vez a cargo do diretor Frank Castorf, não poupou esforços para fazer da apresentação do Oficina um acontecimento memorável: mandou construir uma réplica do Oficina, esse "teatródomo" paulistano inigualável com suas arquibancadas, em plena Mina Auguste Vitoria, em Marl, pequena cidade perto de Recklinghausen. Ela está desativada, como muitas outras minas de carvão e fábricas na região industrial banhada pelo Rio Ruhr, que em parte é um museu ao ar livre da história da industrialização alemã.
Cenário incomum
O cenógrafo Bert Naumann, que como Frank Castorf é alemão oriental com experiência no conceituado Volksbühne de Berlim, edificou várias construções bizarras para servirem de espaço ao festival, que não acontece apenas em teatros e nas tradicionais casas de espetáculos. Há, por exemplo, um Rollende Road Schau que é um road show com palcos sobre quatro caminhões, uma cozinha para vivências culinárias, um Sleepover com 21 camas, com direito a som instalado no travesseiro para quem quiser dormir por lá, um "jardim experimental" e o Jackson Pollock Bar. Trata-se, segundo o folheto do festival, de "uma empresa de perfomance para instalações teóricas", que dá asas à fantasia.
Todo esse ambiente é para ser usado e servir de vivência, diz Naumann, sonhando com algo assim como um novo Woodstock do teatro. E se fosse pelo cenógrafo, os visitantes deveriam ir para Recklinghausen, Marl e os outros locais em que acontece o festival, e ficar vivendo por lá enquanto este durar: de 30 de abril, com a estréia mundial da peça Gier nach Gold (Avidez pelo Ouro), dirigida por Castorf, até 13 de junho, quando se apresenta outra produção brasileira: Bruno Beltrão e o Grupo de Rua de Niterói, com Telesquat, sobre a televisão e como ela mudou a visão do mundo. Beltrão trouxe mais três peças de dança contemporânea.
Não temam as incertezas!
No Fear
(não temam) é o slogan do Festival Recklinghausen 2004, que entra em uma nova era após completar 50 anos e sob a direção de Castorf. Uma era de insegurança, mudanças alucinantes, desorientação após a perda das utopias, ideologias e dos valores, de neoliberalismo galopante, associado com desmontagem social, medo de terrorismo, de tudo o que será pisoteado em nome do combate ao terrorismo, medo de não ter como ganhar a vida, de perder a própria vida, medo do outro, do novo, do que vem de fora, do que está por dentro.Já que não há uma resposta única à pergunta crucial do "para onde vamos", a abordagem do festival pretende ser hedonista, centrada no prazer, na vivência. Os Sertões, na encenação orgiástica do Oficina, combina bem com essa concepção, ao oferecer uma comunhão de sensações dionisíacas, mesclada a ao cristianismo primitivo de Antonio Conselheiro.
"O sentimento brasileiro", intitulou a revista alemã Theater Heute (Teatro Hoje) seu artigo de capa sobre a maratona teatral de Zé Celso em Marl (a 2ª e a 3ª parte duram, rcada uma, cinco horas), ressaltando a sensualidade do nosso caldeirão de raças, a miscigenação que constitui a brasilidade. Resta saber como reagirá o público alemão a um espetáculo com direito a muita nudez, uma proximidade intencional dos atores com os espectadores, buscando justamente abolir essa fronteira e tornar o teatro um espetáculo total.