Modelo atual de financiamento do transporte é insustentável
4 de julho de 2013As mais de 50 milhões de pessoas que usam ônibus, trens, metrôs e barcas diariamente no Brasil são as responsáveis pelo custeio do serviço de transporte público urbano. O modelo de arrecadação por meio das tarifas cobradas ao passageiro – adotado em quase 100% das cidades brasileiras – não é sustentável e não há margem para investimentos em expansão e melhoria. Além disso, entre 2000 e 2012, a tarifa de ônibus subiu em torno de 65% acima da inflação, enquanto o transporte privado vem ficando mais barato.
A posição é do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão estatal que lançou nesta quinta-feira (04/07) a nota técnica Tarifação e financiamento do transporte público urbano, assinada por nove pesquisadores. Motivado pelas manifestações que tomara as ruas nas últimas semanas – e que começaram por causa do aumento das passagens de ônibus – o Ipea pretende, com o documento, apresentar à sociedade modelos alternativos de financiamento.
“Novos seguimentos da sociedade devem participar do financiamento do transporte público”, afirma o pesquisador Carlos Henrique de Carvalho, um dos responsáveis pelo estudo. De acordo com o levantamento, a insatisfação com o alto custo e a péssima qualidade do transporte chegou a um ponto crítico – comprovado pela adesão às manifestações nas ruas – como uma consequência de sucessivas políticas de incentivo ao transporte individual, como redução de impostos para a aquisição de veículos e o congelamento do preço da gasolina.
Apesar das especificidades de cada região ou cidade, o estudo do Ipea conclui, em termos gerais, que o aumento nos custos de mão de obra, do diesel e dos impostos e taxas influenciaram o aumento das tarifas. O diesel, por exemplo, subiu 129% acima da inflação nos últimos 12 anos, principalmente em decorrência de uma "política federal de redução gradativa dos subsídios" no preço do combustível, que, hoje, representa entre 22% e 30% da composição da tarifa, segundo o documento.
Medidas anunciadas recentemente pelo governo – como desoneração da folha de pagamento para empresas do setor e o corte de impostos sobre o faturamento dessas companhias – são visas com bons olhos pelos pesquisadores do Ipea, mas eles defendem um modelo mais rigoroso de regulação.
"O que ocorre no país são regulações frágeis que muitas vezes permitem certa ineficiência do sistema e lucro maior do setor privado", avalia Carlos Henrique, que defende a garantia de que o dinheiro gerado por essas medidas vá diretamente para o investimento no transporte público.
Usuário de automóvel
O que há hoje no mercado brasileiro, segundo o estudo, é um "círculo vicioso" em que, aumentando os insumos, o custo fica mais alto. Quando sobe a tarifa, há uma perda de mercado, já que o transporte público fica mais caro que o transporte privado. "Esse modelo tem distorções", conclui Carlos Henrique, que alerta para a falta de margem, nesse modelo ancorado apenas nas tarifas, para investimentos em expansão e melhorias.
Uma das soluções apresentadas pelo instituto é a participação do usuário de veículo particular no financiamento do transporte público. Entre as estratégias estão taxa sobre combustíveis; taxa sobre uso da via sujeita a congestionamento (uma espécie de pedágio urbano adotado em Londres, por exemplo); cobrança de estacionamentos em via pública (a chamada zona azul) ou cobrança de estacionamentos de uso privado (como shopping centers).
Outra saída poderia ser o aumento da carga tributaria (IPI, ICMS, IPVA) para os proprietários. Apesar disso, os pesquisadores reconhecem que taxar a aquisição representará um impacto grande na economia nacional. Uma saída seria focar no uso contínuo do automóvel, que hoje causa um impacto de cerca de 20% no custo do transporte público nacional.
"A partir do momento que você taxa o transporte individual, você tem que garantir que esses recursos arrecadados com essa nova tributação sobre o transporte individual vão para financiar o transporte público", alerta o pesquisador.
Outros modelos
As alternativas apresentadas no estudo foram classificadas a partir da origem dos investimentos. Partindo da sociedade, há a utilização do orçamento geral (modelo adotado por São Paulo e outras cidades na Europa) ou de fundos vinculados a outras políticas públicas (como educação).
A partir do setor produtivo, há o vale transporte (no qual empregador participa dos gastos) e a incidência de impostos extras na folha de pagamento. Há, também, a alternativa de taxar os proprietários dos imóveis beneficiados pelos investimentos em transporte, através da captura de parte da valorização imobiliária decorrente da criação de novas rotas. Outro modelo teria origem nas receitas de atividades geradoras de renda associadas ao transporte (serviços, comércio, publicidade, por exemplo), o que faria retornar essa renda em forma de investimento.
O Ipea defende que as alternativas apresentadas precisam ser discutidas pela sociedade e podem ser adotadas de maneira combinada.
Sobre a tarifa zero, proposta do Movimento Passe Livre, que iniciou os protestos, Carlos Henrique acredita que não há necessidade de chegar a um modelo tão radical, no qual todo o custo do transporte cairia totalmente sobre a sociedade. Na visão dele, o ideal seria chegar a um modelo intermediário.
"A tarifa é um elemento importante de gestão urbana, estimulando ou desestimulando a ocupação de áreas, [...] além disso, é um elemento de gestão de demanda do transporte", afirma. Ele cita como exemplo o metrô de São Paulo, que, com tarifa zero, não haveria como aumentar a capacidade num curto prazo: "Seria um grande contingente de pessoas que a capacidade não suporta".
Paíque Duques, um dos representantes, em Brasília, do Movimento Passe Livre, diz que há uma necessidade urgente de deixar de considerar o transporte público como mercadoria e passar a tratá-lo, de fato, como serviço público. "Para ele ser serviço público, ele precisa de financiamento pela circulação do veículo, não pela circulação do usuário", afirmou.