Moradores protestam contra centro de refugiados em Kos
15 de fevereiro de 2016"Eu não quero um centro de registro de refugiados na minha ilha", grita um homem idoso da vila de Pili, na Grécia, no meio de um protesto de moradores neste domingo (14/02). O grupo é contido por policiais que bloqueiam o acesso a uma antiga área militar numa colina, montando uma barreira com escudos e cassetetes. Um centro está sendo instalado às pressas no local a fim de acelerar o registro de refugiados.
"Todos os paquistaneses e africanos deveriam ser mandados para a Turquia! Todos vieram de forma ilegal", esbraveja o homem. "Nós queremos manter a nossa raça pura!", afirma, deixando claro que pertence ao partido de extrema direita Golden Dawn (Aurora Dourada, na tradução livre). Em Pili há alguns integrantes do grupo, e eles incitam os moradores a romperem a barreira policial.
Temor de queda no turismo
O aposentado Dyonisos Pikos costumava alugar scooters para turistas. Ele mostra a camiseta estampada com a palavra Oxi – que significa "não" à instalação do centro de registro no local.
A posição dele é menos radical. "Aqui o turismo representa 95% da economia. Pessoalmente, eu não tenho nada contra refugiados, nós até já demos comida para eles. Enquanto o centro não for instalado, eles são apenas algumas centenas em Kos. Mas, se o centro for instalado, serão muito mais porque eles ficarão mais tempo aqui. E o que nós vamos fazer com essas pobres pessoas? Para onde vamos levá-los? A ilha é pequena, nós não temos espaço", argumenta o aposentado.
Pikos adota o discurso da maioria das pessoas da vila. Elas não são xenófobas, mas também não são favoráveis à instalação do ponto de registro perto da sua comunidade, a dez quilômetros da cidade de Kos. "Gostaríamos que eles ficassem apenas algumas horas aqui, recebessem seus papéis e em seguida fossem levados para o continente", explica o proprietário de um hotel na ilha, Antonis Chatzimichalis. "Kos é o destino turístico mais importante da Grécia. Se tivermos um centro de registro aqui, será um desastre", teme.
Segundo ele, isso afastaria os turistas, que não gostam de ter um acampamento assim no local onde tiram férias. Ele disse também acreditar que os refugiados ficarão no acampamento por mais tempo do que o governo diz.
O dilema de Atenas
Na sexta-feira passada (12/2), a Comissão Europeia deu um novo prazo de três meses para a Grécia resolver 60 questões pendentes na gestão da crise dos refugiados. Entre as lacunas está também a instalação dos centros de registro, os chamados hotspots, que foram acordados no final do ano passado, mas continuam desativados.
Até o momento há apenas um pronto, em Lesbos, que funciona parcialmente. Foi planejada a instalação de cinco desses centros em cinco ilhas. O primeiro-ministro Alexis Tsipras prometeu que todos estarão prontos até a reunião de cúpula da União Europeia que acontece nesta semana. Para acelerar o andamento das obras, militares foram incorporados aos trabalhos de construção.
Os locais de registro são um ponto fundamental no conceito de proteção das fronteiras externas da União Europeia. Estes centros servirão não somente para o registro dos imigrantes, incluindo dados biométricos, no sistema comum Eurodac, mas também para que os chamados imigrantes econômicos do Paquistão, do Marrocos e da África subsaariana sejam separados dos que fogem de guerras e enviados de volta para seus países.
Para que a ideia funcione, os imigrantes terão que permanecer num acampamento provisório até o fim da análise do seu caso. Até o momento, nenhum governo europeu conseguiu explicar direito como isso se dará, e os moradores de Pili acreditam que o governo grego silencia de propósito.
Culpa do prefeito
O Solidariedade é o grupo local de ajuda humanitária. No ano passado, seus voluntários distribuíram roupas e mantimentos para os refugiados. Hoje o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR) atua no local, e o serviço de ajuda humanitária se tornou profissional. Em agosto e setembro, cerca de 500 pessoas chegavam todos os dias. Atualmente são cerca de 100.
O mar ficou mais revolto, e quase toda semana migrantes acabam morrendo em naufrágios entre as ilhas gregas e o litoral da Turquia. Somente em janeiro foram 113 mortes, o maior número já registrado no mês.
Jorgos Hartofilis criou a organização local de ajuda aos refugiados. Ele avalia que os números subirão com a chegada da primavera europeia. "Se os centros podem registrar cerca de mil pessoas e em dois dias elas forem levadas para Atenas, então não teremos problemas aqui", opina. A União Europeia deveria, no entanto, definir como as pessoas serão distribuídas entre os países-membros. Ele prefere não acreditar que a política europeia de asilo tenha fracassado.
Hartofilis diz que o prefeito é o responsável por acirrar o clima político na ilha ao afirmar que haverá um efeito negativo no turismo e ao propor um referendo, apesar de isso não ser legalmente possível.
Por que 40 hectares?
Neste domingo, o protesto na vila de Pili acaba de forma branda. Alguns dos radicais entram em confronto com a polícia, que responde com gás lacrimogêneo e contém os manifestantes. A situação, porém, não descamba para a violência generalizada. "Este governo tem que sair!", grita uma mulher revoltada. "Mas a culpa é nossa, nós o elegemos." Ela defende ainda o fechamento da fronteira com a Turquia e a saída da Grécia da União Europeia.
O vice-prefeito Michalis Chatzikalimnios marchou com os manifestantes até o bloqueio policial. "As pessoas não confiam no governo e na forma como ele lida com a crise", diz Chatzikalimnios. Para ele, os centros não servirão apenas para o registro de migrantes, mas em breve também como um campo de confinamento para até 20 mil pessoas. Se não, por que se necessita de uma área de 40 hectares?
"O que nos amedronta é essa pressão da UE. Se as fronteiras forem fechadas, os refugiados ficarão presos aqui, e isso acontecerá até que eles possam ser enviados de volta", afirma. O plano de alguns governos europeus de fechar a fronteira entre a Grécia e a Macedônia já se espalhou pela região da vila de Pili.