O ato de pedir desculpas não está entre os pontos fortes dos brasileiros. É algo quase ausente na cultura política. Quem pede desculpas admite sua culpa e deve enfrentar as consequências. No Brasil, porém, costuma ocorrer o contrário: os erros são negados, mesmo quando são comprovados e óbvios para todos.
Com frequência, a pessoa que comete um erro, um delito ou um crime tenta desviar a atenção ao acusar seus próprios acusadores de agir por razões desonestas ou de ter algo a esconder. Ela se coloca como uma criança inocente, alvo de uma verdadeira caça às bruxas.
Pode-se observar esse padrão de comportamento no trânsito, por exemplo, quando um motorista insulta enfaticamente a pessoa a qual ele próprio prejudicou ou colocou em perigo.
Na política, essa situação se torna ainda mais dramática. Ali, o senso de culpa e a habilidade de pedir desculpas estão quase completamente ausentes. Não há uma cultura de responsabilização. Os acusados normalmente negam tudo e imediatamente atacam seus oponentes.
Precedentes alemães
Talvez isso seja mais perceptível para mim em razão de a higiene política na Alemanha ser, de certa forma, mais pronunciada. Em 2009, por exemplo, o então ministro do Trabalho e Assuntos Sociais Franz Josef Jung renunciou após se tornar público que ele havia misturado voos particulares com oficiais.
O conservador Karl-Theodor zu Guttenberg renunciou do cargo de ministro da Defesa em 2011 por cometer plágio em sua tese de doutorado, tendo seu diploma revogado. No ano seguinte, o presidente e chefe de Estado da Alemanha Christian Wulff renunciou devido um caso envolvendo empréstimos privados. Essa lista pode ir longe, mas o princípio, contudo, deve ser claro. Parece surreal que figuras como o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha ou o ex-governador do Rio de Janeiro Luiz Fernando Pezão, com o passado que têm, pudessem retornar à política.
O fato de a cultura da admissão do erro e responsabilização ser pouco desenvolvida no Brasil pode ter a ver com o machismo generalizado na sociedade. Admitir um erro e se desculpar é visto como fraqueza, apesar de requerer força – especialmente, força de caráter. O sistema politico brasileiro, no entanto, é mais como uma rinha de galo, onde todos estufam o peito e gritam o mais alto possível.
É ainda mais lamentável que até mesmo uma figura como Alexandre de Moraes não pareça ser apto a admitir erros óbvios.
A negação de Moraes
O jornal Folha de S. Paulo publicou conversas entre o juiz instrutor do gabinete de Moraes Airton Vieira e o então assessor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Eduardo Tagliaferro, responsável pelo combate à desinformação na corte. O escritório de Moraes pediu informações a Tagliaferro de maneira informal, o que não está em linha com as regras. Essas informações foram usadas pelo magistrado para ordenar ações como parte das investigações do inquérito das fake news contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF). Tanto Vieira quanto Tagliaferro expressaram desconforto com essa prática.
É claro que é absurdo igualar esses eventos à "Vaza Jato" [o escândalo gerado pela revelação da troca de mensagens irregulares entre o então juiz Sergio Moro e os procuradores da Operação Lava Jato], numa evidente manobra política para tentar deslegitimar as legítimas investigações de Moraes contra os bolsonaristas. Uma diferença fundamental é o fato de não ter havido um acordo entre um juiz (Moro, no caso da Lava Jato) e o Ministério Público – ou seja, entre um juiz imparcial e uma parte envolvida nos procedimentos.
No caso de Moraes, o que ocorreu foi uma comunicação entre dois tribunais superiores que integram o mesmo poder de Estado. Porém, o fato de isso ter ocorrido de maneira não oficial, ou seja, em segredo, não foi correto.
A alegação de Moraes e seus admiradores de que não há nada do que se reclamar é igualmente absurda. Embora não haja juridicamente nenhuma ilegalidade, Moraes colocou a si mesmo e o STF em situação vulnerável.
Seria, portanto, um necessário sinal de força, e não de fraqueza, se Moraes admitisse os erros cometidos. Está claro que o juiz, com seu posicionamento irredutível, se tornou um símbolo da luta contra os inimigos da democracia brasileira. Mas eximi-lo de críticas por esse motivo tem mais a ver com idolatria do que com defesa da democracia.
Políticos, juízes do Supremo e outras autoridades de alto escalão não precisam ser santos. Eles cometem erros, como todas as pessoas. A gravidade desse erro é que determina se eles devem ou não estar aptos a exercerem seus cargos.
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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha, Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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