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Moro interferiu em negociação de delações, diz jornal

18 de julho de 2019

Reportagem da "Folha de S.Paulo" com base em mensagens obtidas pelo "Intercept" aponta que o ex-juiz impôs condições para aceitar acordo de delação que ainda estava sendo negociado pelos procuradores da Lava Jato.

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Moro negou ter participado de qualquer negociação envolvendo delações premiadas e reafirmou que não reconhece a autenticidade de mensagens
Moro negou ter participado de qualquer negociação envolvendo delações premiadas e reafirmou que não reconhece a autenticidade de mensagensFoto: Getty Images/AFP/N. Almeida

Mensagens atribuídas a procuradores da operação Lava Jato apontam que em 2015 o então juiz Sergio Moro interferiu nas negociações das delações de dois executivos da empreiteira Camargo Corrêa. 

Segundo o conteúdo das mensagens, obtidas pelo site The Intercept Brasil e publicadas em parceria com o jornal Folha de S.Paulo nesta quinta-feira (18/07), Moro teria alertado os procuradores que só aceitaria homologar as delações se eles propusessem sentença de pelo menos um ano de prisão em regime fechado para os executivos Dalton Avancini e Eduardo Leite.

De acordo com a Folha, Moro, que hoje é ministro da Justiça, desprezou os limites da atuação de um juiz ao impor essas condições enquanto os advogados dos executivos ainda negociavam as delações com os procuradores. O jornal citou que a Lei das Organizações Criminosas, de 2013, determina que juízes devem manter distância das negociações e só podem verificar a legalidade dos acordos após sua assinatura.

De acordo com as mensagens, os integrantes da força-tarefa da Lava Jato demonstraram incômodo com a interferência do magistrado e divergiram sobre a melhor forma de utilizar essas delações no processo.

As mensagens vazadas mostram que, no dia 23 de fevereiro de 2015, o chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol, escreveu ao procurador Fernando dos Santos Lima, que conduzia as negociações com os executivos da construtora, sugerindo que ele consultasse Moro sobre as penas a serem impostas aos executivos.

"A título de sugestão, seria bom sondar Moro quanto aos patamares estabelecidos", disse Dallagnol, que temia danos à Lava Jato se a opinião pública considerasse excessivos os benefícios concedidos aos executivos.

Para Santos Lima, segundo a Folha, era fundamental que as delações fossem utilizadas para abrir novas frentes de investigação no futuro, o que, para ele, justificaria a proposta de redução das penas dos delatores. "O procedimento de delação virou um caos" teria reclamado ao responder a Dallagnol.

O procurador disse que via isso como uma "barganha, onde se quer jogar para a plateia, dobrar demasiado o colaborador, submeter o advogado, sem realmente ir em frente". 

"Não sei fazer negociação como se fosse um turco", escreveu Santos Lima, segundo a Folha. "Isso é até contrário à boa fé que entendo que um negociador deve ter. É bom lembrar que bons resultados para os advogados são importantes para que sejam trazidos novos colaboradores."

"Vc quer fazer os acordos da Camargo mesmo com pena de que o Moro discorde?",  retrucou Dallagnol. "Acho perigoso pro relacionamento fazer sem ir FALAR com ele, o que não significa que seguiremos", opinou. "Tem que falar com ele sob pena de ele dizer que ignoramos o que ele disse." (O jornal e o Intercept reproduzem o conteúdo das mensagens sem corrigir gramaticalmente os textos.) 

Dois dias depois, as mensagens mostram que ficou acertado que Avancini e Leite, até então presos em caráter preventivo há quatro meses em Curitiba, ficariam em prisão domiciliar por mais um ano. Ou seja, o pedido de Moro foi atendido, segundo o jornal.

Em julho do mesmo ano, Moro condenou os dois executivos pelos crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro, aplicando as penas acertadas previamente com os procuradores, como apontam as mensagens, em um caso envolvendo a corrupção na Petrobras.

O caso de Avancini e Leite foi o primeiro em que executivos de empreiteiras admitiram práticas de corrupção. Mais tarde, diretores das construtoras Odebrecht e Andrade Gutierrez também fizeram acordos de delação em troca de benefícios.

Segundo a Folha, os procuradores acabariam se acostumando com as interferências de Moro.

“Moro tem reclamado bastante, mas ao final sempre concorda com a nossa proposta”, escreveu meses depois o procurador Paulo Roberto Galvão, outro membro da força-tarefa em Curitiba, ao responder a um colega que perguntou sobre casos que contemplavam delações premiadas, segundo a Folha.

Em outro caso, Moro pediu para saber os termos do acordo de delação de Joao Ricardo Auler, outro executivo da Camargo Corrêa. De acordo com o jornal, em um troca de mensagens com Moro, Dallagnol consultou o então juiz para saber em que instância seria submetida a delação.

"Vejo vantagens pragmáticas de homologar por aqui, mas não quisemos avançar sem sua concordância", disse o chefe da força-tarefa. Segundo a reportagem, Moro respondeu que "para mim tanto faz aonde. Mas quais foram as condições e ganhos?". "Vou checar e eu ou alguém informa", respondeu Dallagnol, de acordo com o material obtido pelo Intercept.

Moro condenou Avancini e Leite a 16 anos e 4 meses de prisão, mas com o acordo de delação, a pena foi reduzida para um ano de prisão domiciliar em regime fechado e mais dois anos em regime semiaberto.

Em nota, Moro negou ter participado das negociações sobre as delações premiadas e reafirmou que não reconhece a autenticidade do material obtido pelo Intercept, e diz que "não há ilegalidade ou imoralidade" em suas decisões como juiz. Ele acusa os órgãos de imprensa de agir de modo sensacionalista. 

Os advogados dos ex-diretores da Camargo Correa não quiseram se manifestar sobre o conteúdo da reportagem.

RC/ots

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