Morte de líderes do Hamas e Hezbollah gera temor de escalada
1 de agosto de 2024Os recentes assassinatos de dois dos principais líderes do Hezbollah e do Hamas, grupos radicais islâmicos que recebem apoio do Irã, elevaram as tensões no Oriente Médio a um novo patamar.
Na terça-feira (30/07), as forças israelenses afirmaram que haviam assassinado Fouad Shukur, em Beirute, capital do Líbano. O corpo de Shukur, um dos principais comandantes do Hezbollah, foi encontrado na noite de quarta-feira. Israel culpou Shukur por orquestrar o ataque nas Colinas de Golã matou 12 crianças isralenses no fim de semana. Shukur também era um veterano do Hezbollah que teve envolvimento nos ataques terroristas que provocaram a morte de quase 300 soldados americanos e franceses no Líbano em 1983.
Na quarta-feira, foi a vez de Ismail Haniyeh, líder político do Hamas, ser morto em Teerã, no Irã. Israel havia repetidamente apontado Haniyeh como um alvo após a ofensiva terrorista lançada pelo Hamas em 7 de outubro, que resultou na morte 1.200 pessoas em Israel, e que acabou por desencadear a atual guerra na Faixa de Gaza, enclave palestino que era controlado pelo grupo.
Até o momento, Israel ainda não reivindicou o ataque que resultou na morte de Haniyeh, mas o Irã foi rápido em culpar os israelenses, que no passado evitaram confirmar inicialmente protagonismo no assassinato de outros alvos, só admitindo mais tarde as ações, como no caso do bombardeio ao complexo diplomático iraniano em Damasco, em abril.
O braço armado do Hamas, por sua vez, prometeu que a morte de Haniyeh terá "grandes repercussões".
Após as mortes, o primeiro-ministro isralense, Benjamin Netanyahu, afirmou que Israel desferiu "golpes severos" nos seus inimigos nos últimos dias, mencionando explicitamente a eliminação de Shukur.
"Eliminamos o braço direito de Hassan Nasrallah [líder do Hezbollah], que foi diretamente responsável pelo massacre de crianças", realçou, durante um discurso televisivo.
"Continuamos unidos e determinados a enfrentar qualquer ameaça. Israel cobrará um preço muito alto por qualquer agressão de qualquer horizonte", destacou o premiê.
"As consequências serão as piores possíveis"
Kelly Petillo, pesquisadora do Oriente Médio no Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR), disse que os dois assassinatos podem ter um impacto severo em toda a região.
"É muito cedo para dizer quais resultados isso trará, mas as consequências serão barulhentas, para pior", disse à DW.
Ela explicou que os assassinatos na região devem aumentar a popularidade tanto do Hamas quanto do Hezbollah, cuja ala militar é classificada como uma organização terrorista pelos EUA e outros países.
"Ao matar Haniyeh, Israel eliminou a liderança política do Hamas, que era a força mais moderada dentro do movimento", acrescentou Petillo, ressaltando que Haniyeh era parte crucial das negociações de cessar-fogo intermediadas por Catar, Egito e EUA.
"O braço militar ganhará mais apoio de muitos palestinos", previu Petillo. "Eles poderão dizer: 'Vejam, Haniyeh se envolveu com diplomacia e olhem onde isso o levou'. Isso também coloca Yahya Sinwar, o líder mais extremista da ala militar do Hamas, no comando", acrescentou.
O movimento radical islâmico Hamas, que governa Gaza desde 2007, é dividido em duas facções. A liderança política está sediada no Catar, enquanto a ala militar permanece em Gaza. O líder dessa última é Yahya Sinwar.
Duro golpe nas negociações de cessar-fogo
A morte de Haniyeh também pode ter um impacto sobre um recente acordo de reconciliação mediado pela China entre 14 facções palestinas, o que é visto como fundamental para decidir quem governará Gaza após a guerra.
Além disso, a ação pode ameaçar as negociações sobre a libertação dos reféns remanescentes em poder do Hamas e um cessar-fogo permanente.
"As implicações de tudo isso ainda são difíceis de avaliar neste momento, mas é de se temer que todos os esforços para se chegar a um acordo sobre os reféns, que supostamente estavam avançado nas últimas semanas, se tornem agora uma perspectiva distante", avalia Simon Wolfgang Fuchs, professor associado da Universidade Hebraica de Jerusalém.
"O Hamas não poderá voltar a sentar na mesa como vinha fazendo", prevê.
Enorme pressão sobre o Hezbollah e o Irã
O mesmo pode acontecer com o Hezbollah no Líbano.
"A morte de Fouad Shukur, que era o líder número dois, significa que o Hezbollah está sob enorme pressão para retaliar", disse Petillo, do ECFR.
Segundo a pesquisadora, para o Hezbollah, mais do que uma linha vermelha foi cruzada. Para Petillo, é possível esperar uma escalada entre Hezbollah e Israel. O grupo baseado no Líbano pode "recalibrar seu envolvimento" no apoio ao Hamas.
"Até o momento, o Hezbollah sempre deixou claro que pararia com os ataques contra Israel assim que um cessar-fogo fosse alcançado", disse ela.
Ela acrescentou que o assassinato de Shukur "comprometeu seriamente" o Hezbollah e que o golpe infligindo pela morte de Haniyeh deve ter repercussões no Irã.
Durante anos, o Irã apoiou financeira e militarmente tanto o Hezbollah no Líbano quanto o Hamas em Gaza. Portanto, como diz Simon Wolfgang Fuchs, "o assassinato de Ismail Haniyeh em Teerã é, antes de tudo, uma humilhação para o regime iraniano".
Fuchs acrescentou que o momento também foi crítico, já que o assassinato quase coincidiu com a cerimônia de posse do novo presidente do Irã: "Vários representantes do chamado 'Eixo da Resistência' [países e grupos que veem os EUA e Israel como o principal inimigo] compareceram à cerimônia de posse de Masoud Pezeshkian."
"O fato de essa reunião altamente simbólica ter sido escolhida para eliminar Ismail Haniyeh mostra que eles [Israel] queriam mostrar que o Irã não é capaz de proteger nem mesmo seus próprios convidados e que o alcance de Israel está além das fronteiras do próprio país", disse Fuchs à DW.
Petillo concorda: "Todos os olhos estavam voltados para Teerã e, como o assassinato aconteceu em solo iraniano, o Irã será forçado a apresentar uma reação", disse ela à DW.
O governo iraniano já afirmou que haverá uma "resposta dura e dolorosa" ao assassinato de Haniyeh e também declarou três dias de luto público.