Mostra em Berlim conta história da fotógrafa Diane Arbus
30 de julho de 2012O prédio projetado pelo arquiteto alemão Martin Gropius, que hoje leva o seu nome, tem sido um dos institutos culturais berlinenses mais dedicados à divulgação da fotografia como arte imprescindível e incontornável da modernidade e dos dias atuais. Suas salas abrigaram nos últimos anos retrospectivas de gigantes internacionais, como Henri Cartier-Bresson, W. Eugene Smith, André Kertész, László Moholy-Nagy, Eugène Atget, Richard Avedon e Cindy Sherman, assim como de vários alemães ligados à fotografia de moda e fotojornalismo, como F.C. Gundlach, Harald Schmitt e Robert Lebeck.
Neste verão europeu é a vez da norte-americana Diane Arbus ocupar todo o primeiro andar do instituto com 200 fotos, entre elas algumas de suas imagens já icônicas, como Child with toy hand grenade in Central Park (1962) e Identical twins (1967), além de vários trabalhos jamais expostos.
O curador optou por agrupar fotos que dialogam entre si, mas não de forma óbvia, sem seguir especificamente a cronologia do trabalho da artista. Assim, se logo no início da exposição há um autorretrato feito em 1945 para enviar ao marido no Exército, quando estava grávida da filha Doon, tal trabalho é exposto ao lado de outros já famosos, como A young man in curlers at home on West 20th Street (1966), da fotógrafa já consumada em seu estilo.
Numa mesma sala, há retratos de celebridades da cena cultural nova-iorquina e artistas de circo anônimos. Exceção é a série de retratos feitos por Arbus numa colônia de deficientes, agrupados no centro da mostra e todos sem título, algo que chama a atenção quando se percebe a insistência descritiva ao nomear todos os outros trabalhos.
Para os fãs que só conhecem o trabalho dela por reproduções, a exposição permite contemplar os originais revelados pela própria fotógrafa, de retratos como A family one evening in a nudist camp (1965), Boy with a straw hat waiting to march in a pro-war parade (1967) ou Jewish giant at home with his parents (1970).
A exposição se encerra em duas salas com ampla documentação biográfica, que oferece ainda a possibilidade de ler trechos dos diários e cadernos da artista na sala final. É uma grande descoberta para os visitantes: não apenas a Arbus fotógrafa, mas também a escritora sensível, com textos que demonstram muita clareza em seu projeto artístico.
O início
Nascida Diane Nemerov numa família judia de Nova York, a 14 de março de 1923, a futura artista cresceu num ambiente privilegiado, sendo educada na importante Ethical Culture Fieldston School. O irmão, Howard Nemerov, também viria a se tornar famoso, como poeta, tornando-se por duas ocasiões o responsável por poesia da Biblioteca do Congresso.
A família, proprietária de uma importante loja de departamentos na Quinta Avenida, passou ilesa pela depressão econômica dos anos 30 e pôde ajudar a artista no início da carreira, já como Diane Arbus, depois de casar-se com o também fotógrafo Allan Arbus em 1941. Naquele mesmo ano, o casal foi contratado pela família para fazer trabalhos fotográficos comerciais para a loja, antes de Allan ser enviado como correspondente para a Segunda Guerra Mundial, ao lado do Exército. Quando ele retornou a Nova York, em 1946, o casal abriu um estúdio na cidade, dedicando-se à fotografia de moda e jornalística para publicações como Glamour, Seventeen, Vogue e Harper’s Bazaar.
Mas foi nos anos 50 que surgiram algumas das séries fotográficas mais conhecidas de Diane Arbus e características de seu estilo, após estudar com a fotógrafa Lisette Model (1901-1983) e, já separada, começar a construir sua obra solo com reportagens para Esquire, Harper’s Bazaar e The Sunday Times Magazine.
O sucesso
A consagração viria na década seguinte, com uma bolsa da Fundação Guggenheim em 1963 e a lendária exposição New documents (1967) no MoMA, com curadoria de John Szarkowski, mostrando trabalhos de Arbus, Lee Friedlander e Gary Winogrand.
Mas esta consagração não aliviaria os tormentos pessoais da artista. Sofrendo com ataques de depressão por toda a vida, a fotógrafa se mataria em 1971, aos 48 anos, no auge da carreira. No ano seguinte, tornaria-se a primeira fotógrafa americana a ter seu trabalho exposto na Bienal de Veneza. Sua lenda apenas fez crescer nas próximas décadas, e esta retrospectiva excelente no Martin-Gropius-Bau, organizada em colaboração internacional com o Jeu de Paume (Paris), o Fotomuseum Winterthur e o Foam (Fotografiemuseum Amsterdam), mostra o porquê.
Normal, excepcional e irrepetível
Muito já se escreveu (e criticou) sobre a aparente obsessão de Diane Arbus por pessoas às margens da sociedade dominante, fora do que se convencionou chamar de normalidade, os freaks. Mas a própria artista iluminou a questão de forma muito precisa ao escrever, num de seus cadernos: "A maioria das pessoas passa a vida com medo de que venham a ter alguma experiência traumática. Freaks nasceram com seu trauma. Eles já passaram na prova da vida. Eles são aristocratas."
Quando se lembra que Diane Arbus começou a construir sua obra na década de 50, a do milagre econômico americano, das estrelas de porte e corpo perfeitos e inalcançáveis em Hollywood, das donas de casa em cozinhas e sorrisos impecáveis, começa-se a perceber o alcance até mesmo político de seu trabalho. Seu interesse reside na excepcionalidade da experiência humana, naquilo que para muitos seria, num mundo obcecado com a perfeição, um trauma.
Mas é interessante neste aspecto notar que a retrospectiva traz também – em meio às fotografias de engolidores de espadas, homens tatuados dos pés à cabeça ou outros seres que tão facilmente seriam relegados ao que nossa sociedade escolhe catalogar como esquisitices – retratos dos escritores Susan Sontag e Jorge Luis Borges, do artista Marcel Duchamp e sua mulher Alexina Suttler, da atriz Helene Weigel e ainda cenas poéticas, como a desconhecida Girl watching a soap bubble, em foto de 1956.
O retrato de Sontag é particularmente interessante. Várias pessoas que visitam a exposição se detêm demoradamente diante desse trabalho. A crítica e romancista norte-americana escreveu sobre sua conterrânea com respeito, mas não exatamente de forma elogiosa. Para Sontag, o trabalho de Arbus seria anti-humanista porque "mostra pessoas que são patéticas, deploráveis, assim como repugnantes, mas não desperta compaixão". É irônico que a autora de Regarding the pain of others (2004) viesse a criticar uma fotógrafa por não tentar expor, lacrimejante, os sujeitos como criaturas dignas de pena. Pois o olhar que Arbus dedicou a essas pessoas, através de sua objetiva (a palavra não é acidental), é o mesmo que dedicou à própria Sontag.
Diferentemente de seus precursores ou mesmo os que se influenciaram por seu trabalho, Diane Arbus buscava menos o instante irrepetível – e por isso especial – do que mostrar ao mundo aqueles a quem a vida houvesse doado um constante e perene estado de excepcionalidade, marcando-os praticamente como opositores do que é ensinado a ver como invejável – menos o momento irrepetível de vidas baças e "normais" do que pessoas inteiramente irrepetíveis em suas existências físicas. Como se cada uma de suas fotos quisesse funcionar como uma hagiografia.
Num mundo marcado pela uniformidade e estranhamente obcecado por assim chamados reality shows, academias de fitness e cirurgias plásticas, o trabalho de Diane Arbus segue tendo o impacto de mostrar o escondido, o secreto, o desprezado e o ignorado.
A mostra das obras de Diane Arbus pode ser vista no Martin Gropius Bau em Berlim até 23 de setembro de 2012.
Autor: Ricardo Domeneck
Revisão: Alexandre Schossler