Museus alemães reavaliam forma de lidar com arte nazista
17 de maio de 2013É admissível expor-se arte nazista? Na República Federal da Alemanha do pós-Guerra, a resposta a essa pergunta era um decidido "não". Motivos não faltavam.
De um lado, estavam os não queriam se ocupar com a arte de propaganda do regime porque isso trazia à tona lembranças recalcadas, apontava para a própria responsabilidade. Outros rejeitavam a exibição em público de obras do período 1933-1945 por terem sido vítimas diretas do nazismo.
Tanto as próprias vítimas como associações de sobreviventes e cidadãos judeus, todos se pronunciavam contra a presença de arte nazista nos museus públicos. Outras vozes, ainda, vetavam tal exposição com o argumento de que não se tratava de "arte", mas sim de pura propaganda, sem qualquer valor artístico.
Mostrar ou esconder?
A consequência foi que, nas décadas de 50 e 60, praticamente não houve qualquer tipo de abordagem dessas obras. Somente no final dos anos 60 ganharam força as reivindicações de que se encarasse a arte nazista de uma forma mais aberta e, acima de tudo, científica.
As primeiras mostras em museus de Frankfurt, Munique, Essen e Berlim possibilitaram aos alemães um olhar crítico sobre elas. Numa fase ulterior, sobretudo os museus municipais se dedicaram à tarefa de investigar como suas próprias regiões se comportaram nos anos entre 1933 e 1945.
Não raro, isso resultou em debates altamente emocionais. A questão era: essa arte deve ser mostrada, sob o pretexto que seja, ou deve desaparecer nos porões, pelos motivos citados?
Troca de geração
Atualmente pode-se observar uma nova forma de encarar a arte fomentada pelo regime de Adolf Hitler e seus seguidores. Um bom exemplo nesse sentido é a cidade de Würzburg, na região bávara da Francônia.
Desde fevereiro de 2013, sob o título Tradição e propaganda – um inventário, o Museu no Kulturspeicher está exibindo cerca de 90 obras compradas pela municipalidade durante a ditadura nazista.
Falando à Deutsche Welle, a curadora Bettina Kess enfatizou: "Agora, a responsabilidade está nas mãos de uma geração que lida com o tema de forma mais documental, mais objetiva. É uma passagem de geração, e isso se pode aplicar de forma geral ao tema nacional-socialismo".
Não é acaso o fato de ser justamente essa cidade do norte da Francônia a se confrontar com o próprio passado. Nenhuma outra municipalidade alemã comprou, colecionou e expôs tanta arte durante a era do nazismo quanto ela. Mostrar isso agora é, "por um lado, um pouco de história regional, mas seguramente também um sinal de uma mudança generalizada na sociedade, que aponta para bem mais além da pesquisa de arte", detalha Kess.
Para fora do papel de vítima
Würzburg foi quase totalmente destruída numa única noite de bombardeios, em 16 de março de 1945. Esse acontecimento teve um efeito a longo prazo sobre as mentes de seus habitantes, como explica Kess.
"Durante muito tempo as pessoas se viam como vítimas desse ataque dos Aliados, e só nos últimos anos começaram a refletir sobre essa forma de relembrar esse dia." E passaram a se perguntar, também: "Em que contexto isso se deu, de fato?". Não é mais possível definir a cidade apenas a partir desse papel de vítima, pleiteia a curadora do museu.
As autoridades municipais, assim como Kess e seus apoiadores, baseiam esse ponto de vista no prestigiado historiador alemão Norbert Frei, entre outros. Alguns anos atrás, ele propôs uma nova forma de lidar com o tema.
"Para a grande maioria de nós, a época de Hitler não é um passado vivido, mas sim história: history, not memory", escreveu Frei em seu livro Das Dritte Reich im Bewusstsein der Deutschen (O Terceiro Reich na consciência dos alemães). No entanto, não basta a disposição de relembrar, é preciso também querer saber.
O historiador critica o fato de que, na sociedade alemã, uma "cultura da memória" – ditada "por tentativas políticas de promover identidade e por considerações de utilidade" – tenham tomado o lugar da consciência histórica.
Ler nas entrelinhas
Frei defende uma abordagem da história do Terceiro Reich "diferenciada, que rejeite tudo o que é apelativo, todas as demonizações – e, justamente aqui, todas as possibilidades de absolvição social –, sutilmente crítica em todas as direções".
Esta é também a chave para interpretar a exposição em Würzburg. Primeiro, os visitantes devem ver o que havia na arte e cultura da era nazista, mas, naturalmente, também em outros campos. Pois somente aquele que pôde avaliar algo com os próprios olhos, pode se permitir pronunciar um veredicto abrangente.
Há um bom tempo vem se desenrolando na Alemanha uma discussão semelhante sobre se se deve exibir ou não em público filmes de propaganda nazista. Nesse contexto, é também revelador o exame de obras de artes plásticas que não se classificaria diretamente como propagandísticas.
Quando o motivo é um soldado alemão, de capacete de aço e ar marcial; ou a "mulher alemã", de filho nos braços, simbolizando a imagem materna da ideologia nazista; ou quando a vida no campo é glorificada, então a intenção está clara.
Mas outras obras podem deixar em dúvida o espectador contemporâneo. Em Würzburg encontram-se numerosos motivos paisagísticos, como, por exemplo, idílios nas montanhas ou cenas de solidão no bosque.
Debate mais amplo
E isso foi justamente o que se quis mostrar, explica Kess, "que nessa época se produziram muitas coisas que, à primeira vista, talvez pareçam absolutamente inofensivas". Em geral se trata de um idílio, longe da indústria e dos seres humanos.
"Elas simulam um mundo intacto, que naquela época – os anos 40, em plena Segunda Guerra Mundial – não existia", diagnostica a curadora do Museu no Kulturspeicher. Assim, para poder avaliar, é preciso observar atentamente, envolver-se com a obra em questão, localizá-la no contexto histórico.
Würzburg não está sozinha em sua pesquisa de uma nova visão da arte nazista e da função que tanto museus e coleções públicas alemães quanto cidades e municípios representaram na época. De 13 a 15 de junho de 2013, Bettina Kess participa de um congresso nacional em Berlim, centrado no papel dos museus alemães durante a ditadura hitlerista. E esse pode ser o início de um debate bem mais amplo.