Na Bolívia, crianças se organizam em sindicato
21 de maio de 2013Deyna Mamani tem apenas 12 anos, mas já trabalha há quatro. Ao lado da avó, ela vende suco no mercado de La Paz nos fins de semana para comprar material escolar e passagem de ônibus – o que seus pais não podem pagar. Rodrigo Calle é dois anos mais velho e ganha a vida de madrugada, vendendo bala e cigarro em bares da capital.
Tecnicamente, Deyna e Rodrigo não poderiam trabalhar. Ela porque é menor de 14 anos, e ele por ser proibido o trabalho de menores de 18 anos em bares à noite. Mas na Bolívia eles são a regra – não a exceção. E eles não só trabalham, como fazem parte de um sindicato – a União das Crianças e Adolescente Trabalhadores da Bolívia (Unatsbo).
O sindicato defende os direitos dos trabalhadores infantis e adolescentes, lutando contra a exploração e pela permissão de trabalho para menores de idade. Para Rodrigo, é irrealista e arbitrário que crianças não sejam contratadas para determinados empregos por causa da idade.
"Talvez as pessoas digam que nós ainda temos a mentalidade de criança", argumenta. "Mas há adultos de 21 anos que pensam como crianças, e adolescentes de 13 que pensam como adultos."
No país de segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da América do Sul, a emergência social é grande, e muitas famílias precisam da renda obtida pelas acrianças. A maioria dos trabalhadores infantis do país auxilia os adultos nas plantações ou está empregada no setor informal – em atividades que, internacionalmente, nem sempre são definidas como "trabalho infantil".
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a definição depende da idade, da jornada e das condições de trabalho, além da legislação de cada país.
Entre o trabalho e a exploração
A maioria dos jovens sindicalistas do Unatsbo defende que crianças não devem trabalhar na mineração e na colheita de cana-de-açúcar, por exemplo. Eles pedem que políticos não se concentrem mais na idade limite para o trabalho infantil, mas na proteção contra abusos físicos e psicológicos e na busca por um salário melhor para os jovens.
Os integrantes da Unatsbo organizaram várias marchas e greves. E, em nível nacional, eles já alcançaram bastante. em 2009, quando a Bolívia reescreveu sua Constituição, o sindicato conseguiu convencer o governo a trocar o artigo que bania o trabalho infantil por um que proibia a exploração de crianças e adolescentes. A atividade, segundo a nova Carta, deve, no entanto, "colaborar para sua formação integral como cidadãos".
O sindicato mudou a vida de Gladis Sarmiento. Através dele, a jovem obteve informações sobre os seus direitos como empregada e ganhou coragem para lutar contra injustiças. Com 5 anos de idade, ela já vendia pipoca perto da casa dos pais. Hoje, tem 25 anos e dirige cursos de teatro para crianças de família de baixa renda. Além disso, está engajada na Unatsbo.
"As crianças e os jovens se sentem bem quando participam da vida sindical. Nossa realidade é muito dura às vezes, mas nós percebemos que podemos mudar algumas coisas", conta.
O governo e a OIT procuram proteger as crianças da exploração, por exemplo, proibindo a participação em funções perigosas. Mas na Bolívia, 850 mil crianças (cerca de um terço do total) trabalham. Delas, mais da metade exerce atividades em que as condições comprometem seu bem-estar físico e mental – como a mineração ou a colheita de cana.
Riscos para a educação
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) defende iniciativas que promovam a liberdade de expressão infantil, mas é contrário às ações que ignoram o direito à educação, ao desenvolvimento integral, à saúde e proteção, como no caso dos sindicatos infantis.
A instituição afirma que o trabalho infantil diminui as oportunidades futuras das crianças, pois elas não receberão a educação necessária para amenizar as desigualdades já existentes. O Unicef reforça que medidas de combate à pobreza e criação de emprego para os pais são necessárias para garantir às crianças uma infância livre do trabalho.
Mas, apesar de a pobreza ter diminuído na Bolívia nos últimos anos, a força de trabalho infantil ainda possui um papel importante na sobrevivência de muitas famílias que dependem dessa renda extra.
"Quando falamos que não queremos mais trabalhar, ninguém nos ouve", conta Sonia Caba Flores, que limpa lápides em um cemitério perto da sua escola. "Se houvesse empregos suficientes para nossos pais, provavelmente não precisaríamos trabalhar. Mas esse não é o caso."
Para a OIT, a argumentação do sindicato infantil de que as crianças precisam trabalhar para terem condições de ir a escola é controversa.
"A combinação de trabalho e escola depende muito da idade, mas em geral não é boa para o rendimento escolar. Estudos apontam que o trabalho é o maior adversário da escola", diz Lars Johansen, do Programa para Eliminação do Trabalho Infantil da OIT.
A OIT não possui uma posição definida sobre os sindicatos infantis. A organização considera importante a luta contra exploração e por condições de trabalho mais seguras. Mas é contrária à redução da idade mínima permitida para o trabalho.