Culinária bávara
30 de julho de 2011De acordo com o calendário do restaurante de Andreas Hörger, hoje é dia de Kesselfleisch. Com uma escumadeira gigante, Hörger retira um enorme pedaço de carne cozida de dentro de um caldo. "Isso é uma cabeça de vitelo. Ela é tradicionalmente escaldada com a pele inteira e depois raspada, para que se possa comer a pele junto", explica aos leigos.
E a iguaria não é apenas saborosa, mas também faz bem à nossa pele, por ser rica em colágeno, ressalta o cozinheiro, hoteleiro e açougueiro – combinação profissional que costumava ser frequente na Baviera, sul da Alemanha. Com prática, Andreas Hörger corta, então, a carne e salpica uma fatia da língua com uma pitada de sal. "O gosto é ótimo; a aparência, nem tanto", ri.
Tudo se aproveita
"Tudo", responde Hörger sobre os ingredientes que compõem a Kesselfleisch. "Todos os miúdos, língua, coração e fígado picado. E também a Backerl [bochecha do porco]." Essa é a tradição da Baviera: aproveitar o animal inteiro.
Comem-se pés de vitelo fritos, edles Kalbsbries (timo – pequena glândula linfática localizada entre os pulmões), Saures Lüngerl (ragu de pulmão de vitelo) e Milzwurst (salsicha preparada com o baço). Pratos que antes tinham motivos econômicos, hoje são muito apreciadas e valorizadas pelos gourmets.
No salão da taverna de Hörger, dezenas de clientes de Munique aguardam ansiosamente por seus pratos. Alguns percorrem há décadas esses 40 quilômetros entre a capital bávara e o vilarejo de Hohenbercha, no município de Freising. Aqui a cozinha é regional e sazonal, o que praticamente não existe mais em outros lugares.
Valorização do regional
As instalações do restaurante de Hörger são as mesmas de há 70 anos. E não apenas os móveis são regionais. Ao lado da tradicional lareira de ladrilhos verdes, repolho, beterraba, frutas e carnes orgânicas da região chegam à comprida mesa de cerejeira.
No verão, por exemplo, perfumadas framboesas são servidas sobre um creme bávaro (também conhecido como crème bavaroise). "Essas framboesas não se encontram para comprar. Chegam a nós ainda mornas depois da colheita. Elas não cresceram em alguma plantação do norte da Itália, mas acabaram de ser colhidas aqui", orgulha-se o cozinheiro.
Andreas Hörger e seu irmão Klaus, seu companheiro na cozinha, estabeleceram uma rede de fornecedores regionais para trazer o produto direto do campo para a mesa. Para eles, é importante trabalhar com pequenos agricultores, que se envolvem diretamente na produção, quer se tratem de bois, porcos, ovelhas, frutas ou verduras. "Se não fizermos isso, toda uma cultura se perderá", afirma Hörger.
Até mesmo antigas raças de porcos são criadas em Hohenbercha, e os animais silvestres vêm dos bosques da região. E onde há criação de gado leiteiro, há também vitelos. Para fazer jus à certificação orgânica 1A, a carne chega aos irmãos Hörger em tubos de baixa temperatura.
"Geralmente, servimos vitelo de sábado à noite até domingo no almoço. Depois, há o vitelo assado, que fica no forno por 14 horas, a 66 °C, até o tecido conjuntivo se romper e a carne se desfazer." O mesmo procedimento é adotado por chefs estrelados.
Farinha em vez de batata
Enquanto a típica batata cozida reina no norte da Alemanha, no sul, prefere-se a farinha de trigo, utilizada de todas as maneiras possíveis. "As batatas não crescem bem em nosso solo pesado. Por isso, aqui não há Kartoffelknödel (almôndega de batata), mas Semmelknödel (almôndega de pão), e várias especialidades fritas em banha: Schmalznudel [um tipo de sonho], Hauberling [bolinho que leva farinha, cerveja, fermento, cebolinha e cominho] e Schuxen [uma espécie de sonho salgado]", explica Hörger.
Os Schmalznudeln são feitos de massa azeda de centeio e fritos imersos em gordura. Chegam firmes e crocantes à mesa. "Não têm nada a ver com pão mole de fast-food", explica Hörger, rindo. O Hauberling é uma espécie de pequeno bolo de massa fermentada de farinhas de trigo e centeio. Costuma ser servido como acompanhamento de pratos ácidos, como ragus e preparações apimentadas.
Obazda e o triunfo da tradição
Outra especialidade bávara – hoje conhecida em todos os Biergarten (bares ao ar livre) – vem da região de Freising. "O Obazda é um prato daqui", diz Hörger. "Tradicionalmente, mistura-se manteiga amolecida com um queijo camembert macio e maturado, cebola, uma pitada de sal, e, se desejar, cominho. E a páprica é obrigatória", explica o cozinheiro sobre a iguaria servida em seu restaurante.
A 40 quilômetros de Munique, a taverna de 130 anos dos Hörgers em Hohenbercha é um local livre de luxos, mas um "restaurante completo", de acordo com a definição legal alemã. Ali se podia beber, comer, festejar e, nos tempos pré-automóvel, até guardar o cavalo. Hoje, moradores de Munique e de Freising ainda lambem os beiços na taverna. Os alvos coloridos pendurados no salão também indicam que o clube de tiro do vilarejo se reúne ali regularmente.
Na Itália, um estabelecimento desses seria chamado de osteria, mas na taverna dos Hörgers – que conserva o espírito de uma hospedaria bávara –, em vez de oliveiras são macieiras que crescem diante das janelas.
Autor: Günther Birkenstock / Luisa Frey
Revisão: Roselaine Wandscheer