Na Ucrânia, ecstasy e cogumelos contra traumas de guerra
7 de novembro de 2023Substâncias como o LSD, a psilocibina (extraída de cogumelos) ou a DMT (extraída de plantas) são banidas em todo o mundo desde que foram proibidas, em 1971, por uma convenção da ONU.
Porém, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia vem aumentando, entre os terapeutas ucranianos, o número de defensores do uso dessas substâncias na psicoterapia. Pois, com a guerra, aumentaram também os casos de doenças psíquicas graves.
Psicoterapeutas confirmaram à DW que têm usado com frequência cada vez maior essas substâncias, sobretudo no tratamento de soldados com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) devido aos combates no front.
Especialistas estão pressionando o Parlamento ucraniano para liberar o uso dessas substâncias em tratamentos. A diretora do Centro de Tratamento de Veteranos de Guerra do Ministério da Saúde, Ksenia Voznitsyna, disse esperar que o Parlamento determine as diretrizes para que a terapia com substâncias psicodélicas esteja disponível na Ucrânia.
Voznitsyna se mostra otimista de que substâncias psicodélicas sejam liberadas para o uso em tratamentos do TEPT. "Uma sessão normal de psicoterapia dura uma hora, no máximo duas. Uma pessoa com um trauma psíquico necessita de muitas sessões. Por isso a terapia costuma se estender por um ou dois anos", diz.
A terapia apoiada em substâncias psicodélicas pode acelerar o processo de cura. "Isso é tanto mais importante porque, por causa da guerra, temos de lidar com casos complicados, que não podem ser tratados por meio do tratamento convencional", argumenta Voznitsyna.
Ela faz, porém, uma ressalva: "Não é a droga que cura, mas a terapia", ou seja, a sessão de psicoterapia que ocorre enquanto o paciente está sob o efeito de uma droga como a psilocibina ou o MDMA (popularmente conhecida como ecstasy). Uma terapia desse tipo só pode ser feita em centros médicos. Ela dura até oito horas e exige que haja supervisão e controle por psicoterapeutas profissionais.
Legalização de uso terapêutico próxima
A Ucrânia é, assim, o novo cenário de um debate que há décadas opõe os apoiadores e os adversários do uso de drogas na psicoterapia. E os apoiadores enfrentam uma forte resistência por parte de quem é contra.
Mas sobretudo nos Estados Unidos o lobby pelo uso de drogas na psicoterapia é cada vez mais forte. E os defensores da prática têm um apoiador de peso: a Organização dos Veteranos de Guerra das Forças Armadas. Também o Departamento dos Assuntos de Veteranos, uma agência do governo federal, é a favor do uso da MDMA em terapias de transtorno de estresse pós-traumático. Especialistas avaliam que uma autorização seja concedida já em 2024.
Essa seria uma decisão com possíveis consequências também para o uso terapêutico de outras drogas proibidas. Pois, por que algumas continuariam sendo proibidas se uma é permitida?
A legalização do uso da MDMA na psicoterapia ganhou força com a publicação de um estudo de fase três na revista científica Nature. Estudos de fase três bem-sucedidos costumam ser o último passo para a aprovação de uso de um medicamento.
O estudo sobre "segurança e eficácia" do MDMA chegou à conclusão de que a substância "reduziu os sintomas de TEPT e os danos funcionais numa população heterogênea com TEPT de moderado a grave e foi, em geral, bem tolerada."
Estudos semelhantes com MDMA e psilocibina estão sendo conduzidos também na Europa, assegura a Agência Europeia de Medicamentos (EMA). A diretora da EMA, Emer Cooke, afirmou ao Parlamento Europeu que a agência reconhece a necessidade de apoiar os desenvolvedores de psicodélicos e de cooperar com eles.
Psilocibina em estágio inicial da doença
Na Alemanha, um estudo sobre terapia com psilocibina extraída dos chamados "cogumelos mágicos" está perto de ser concluído. "Estamos testando a eficácia e a segurança da psilocibina na depressão resistente à terapia", diz o psiquiatra Gerhard Gründer, da Faculdade de Medicina de Mannheim.
"O que podemos adiantar, de maneira superficial, é que estamos vendo bons resultados num número reduzido de pacientes", diz Gründer. Para muitos pacientes, porém, não há qualquer melhora, acrescenta, o que ele atribui ao fato de eles já sofrerem de forte depressão há muito tempo. "A conclusão do estudo, para nós, é que podemos tratar estágios iniciais da doença."
Gründer reconhece que o uso do MDMA na terapia de traumas de veteranos de guerra tem obtido bons resultados, mas se mostra cético quanto ao uso de outras substâncias. Ele lembra que o MDMA não pertence ao grupo dos psicodélicos.
Substâncias como a psilocibina "não são usadas em transtornos de estresse pós-traumático na maioria dos estudos clínicos porque há medo de retraumatização", diz. Ele também critica a terapia no meio da guerra. "Considero extremamente questionável, do ponto de vista ético, que seja seguro fazer algo assim numa zona de guerra."