Nacionalizações na Bolívia: entre preocupação e otimismo
2 de maio de 2006A especialista em Energia do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (DIW), Claudia Kemfert, classificou como "preocupante" o início da estatização do setor energético da Bolívia pelo presidente Evo Morales.
Em entrevista à DW-TV, Kemfert declarou: "Nações africanas, como a Nigéria, também têm grande interesse em transformar em lucros estatais esses altos preços do petróleo".
Segundo decreto de Morales, as multinacionais terão um prazo de seis meses para entregar às estatais toda a cadeia de produção de petróleo e gás natural. Além disso, será cancelada a privatização do setor, realizada na década de 1990, e o Estado assumirá as ações em poder das firmas estrangeiras.
O governo espanhol expressou "profunda preocupação" pela atitude de Morales. O Ministério do Exterior de Madri disse esperar que, durante o prazo de seis meses, haja espaço para verdadeiras negociações e diálogo, considerando-se os interesses de ambos os lados.
Apoio da Venezuela
Caso outros países sigam o exemplo da Bolívia, as razões para preocupação são ainda maiores, comenta o DIW. O instituto, porém, não acredita que os bolivianos venham a suspender a produção de petróleo e gás, devido à falta de força econômica.
Segundo Bert Hoffmann, do Instituto Ibero-americano de Hamburgo: "Em princípio, esse passo da Bolívia mostra que outros países também poderão optar pelo mesmo caminho". Embora os sinais preocupem, cabe no momento "aguardar os efeitos colaterais políticos dessa redistribuição".
Ele lembra que as expectativas da população boliviana diante do novo governo são "altíssimas". Como quinto produtor mundial de petróleo, a Venezuela poderá querer apoiar o país vizinho em sua política energética, calcula Hoffmann.
"A Venezuela nada em dinheiro, o preço do petróleo é mais elevado do que nunca. A aliança politicamente motivada dos dois vizinhos contribui para dar à Bolívia a necessária ajuda financeira, possibilitando a exploração pelo Estado", comentou o especialista em temas latino-americanos.
Presidente cumpre promessa eleitoral
Com 48,7 bilhões de pés cúbicos, a Bolívia é também o segundo maior produtor de gás do continente, após a Venezuela. Há anos, a disputa em torno dos recursos do subsolo é um foco da política boliviana. Prometendo estatizá-los e partilhar os lucros com os pobres do país, Evo Morales venceu as eleições de 18 de dezembro de 2005, com 54,2% dos votos.
Ao enviar, nesta segunda-feira (1º/05) soldados armados a 56 campos petrolíferos explorados por empresas internacionais, ele comentara: "Terminou o saque pelas multinacionais".
O presidente boliviano anunciou que, após a nacionalização do petróleo e do gás natural, "se necessário, à força", "em breve será a vez das companhias mineiras, da silvicultura e de todas as demais riquezas nacionais, pelas quais nossos ancestrais lutaram". Morales é o primeiro índio na presidência de um país sul-americano.
Ministra alemã simpatiza com governo Morales
No tocante às relações com a Alemanha, o professor Manfred Nitsch, da Universidade Livre de Berlim, lembra que a ministra da Cooperação Econômica, Heidemarie Wieczorek-Zeul, se manifestara muito positivamente sobre o governo de Evo Morales, quando de sua recente visita à Bolívia.
A tendência deverá ser, portanto, a continuação da cooperação entre os dois países. Nitsch tampouco acredita que se registrem grandes problemas políticos entre Morales e os governos do Chile, Argentina, Peru, Venezuela ou mesmo com o Brasil de Lula.
Equiparando preços à realidade ecológica
Baseado nas próprias declarações de Morales, o economista tranqüiliza os que temem ser este um primeiro passo em sentido ao socialismo. Ele lembra que "afinal de contas, as riquezas do subsolo são estatais em todo o mundo".
"Também o abastecimento de água, que se quer renacionalizar na Bolívia, existe em várias formas no mundo. As privatizações que se tem feito nem sempre foram felizes", ressalta Nitsch.
Por outro lado, no que concerne à política energética, "quanto mais caros o petróleo e o gás, mais se aproximam os preços da realidade da escassez no mundo". "Se os preços sobem por intervenção estatal da Bolívia, trata-se – do ponto de vista ecológico e econômico – de um sinal correto."
Tendo em conta a problemática do clima mundial, os preços altos são adequados. "Em todo caso, é melhor do que uma eventual política da Venezuela de inundar os mercados latino-americanos com petróleo barato, por razões políticas." O caminho é distanciar-se da dependência do petróleo, conclui o economista.