Neonazistas enviam "atestado de óbito" a jornalistas alemães
6 de fevereiro de 2015Felix Huesmann trabalhava sozinho em casa com seu laptop, na noite de segunda-feira, quando recebeu via Twitter um link intitulado “A caçada começou”. O jornalista achou que se tratava de mais uma ameaça anônima de neonazistas contra a imprensa, mas ficou intrigado.
Quando clicou no link, ficou incrédulo. “Havia um atestado de óbito com o meu nome. Honestamente, eu fiquei bem tenso”, conta Huesmann, que trabalha como freelancer em Dortmund.
A reação que teve foi fazer uma cópia e enviar a seus colegas. Cinco outros repórteres haviam recebido o mesmo “atestado digital” com uma cruz negra e com escritos sobre suas mortes em letras itálicas.
Um deles é Sebastian Weiermann, que, assim como Huesmann, tem feito reportagens sobre a cena de extrema direita em Dortmund, cidade conhecida como reduto neonazista.
“Eu estava no trem, a caminho da manifestação do Pegida [sigla em alemão para "Europeus patriotas contra a islamização do Ocidente"] em Duisburg. Nós tínhamos acabado de pegar um café quando eu vi no meu telefone um link para o nosso atestado de morte”, lembra.
“Em um primeiro momento, eu ri. Eu estava bem certo de que ainda estava vivo. Então eu liguei para os meus colegas para ter a certeza de que eles estavam vivos, e eles confirmaram. Mas isso te faz pensar”, completa Weiermann.
Uma nova dimensão
Tanto Huesmann quanto Weiermann veem o episódio como uma prova concreta do aumento da hostilidade contra os jornalistas que cobrem a atividade neonazista na Alemanha. A incidência de manifestações de extrema direita também, por si só, está crescendo no país.
“Nós nunca vimos nada como isso”, diz Hendrik Zörner, porta-voz da Federação dos Jornalistas da Alemanha. “Esses atestados contêm ameaças de morte – parcialmente abertas, parcialmente ocultas – direcionadas contra repórteres. Nós estamos falando de uma nova dimensão de antagonismo”, conta à DW.
Não são apenas neonazistas, porém, que adotaram uma postura hostil contra a imprensa alemã. Zörner diz que, depois que o movimento Pegida eclodiu em algumas cidades do país, especialmente em Dresden, o conceito de "imprensa da mentira" veio à tona, entoado em várias manifestações, e tornou-se uma forma negativa socialmente aceita de se referir aos jornalistas.
“Eu prefiro o antagonismo neonazista a esse novo fenômeno de ampla animosidade”, opina a repórter fotográfica Carolin Hesidenz, que há anos acompanha a movimentação dos radicais na região ocidental da Alemanha.
“As marchas neonazistas são sempre bem protegidas pela polícia”, prossegue Hessidenz, que usa capacete e colete à prova de balas quando cobre manifestações. “Nós estamos lidando com uma nova dinâmica. Ataques violentos contra jornalistas costumavam ser eventos isolados. Agora existe uma nova atmosfera. Parece que eles podem atacar a qualquer um."
Reduto radical
Huesmann e Weiermann denunciaram formalmente às autoridades as ameaças que receberam. Em resposta, um porta-voz da polícia de Dortmund disse que as ameaças foram uma tentativa de criar um “clima de medo e intimidação” para qualquer opositor. Segundo ele, é uma imitação de “modelos históricos”, como os usados pelos membros do partido de Hitler.
“Pelo que eu saiba, não existia esse tipo de ameaça durante o fim da República de Weimar ou após a tomada de poder pelos nazistas em 1933”, contesta Niels Weise, historiador e pesquisador do nazismo no Instituto de História Contemporânea de Munique. “Diante desta perspectiva, nós não podemos dizer exatamente que o que aconteceu com os jornalistas de Dortmund é um trabalho nazista dos nossos dias.”
Huesmann e Weiermann disseram que se sentiram ameaçados depois de receberem os tais atestados, mas garantiram que não estão intimidados.
“Eles terão que fazer muito mais do que isso. Talvez devessem ver O Poderoso Chefão de novo. Quem sabe aquela cena da cabeça de cavalo na cama? Esta é uma ameaça que me faria pensar duas vezes antes de fazer o que estou fazendo”, afirma Huesmann.
Huesmann revela que decidiu fazer matérias sobre a cena neonazista porque ela é muito forte em Dortmund. Foi lá que surgiram o movimento Resistência Nacional, que foi banido, e o partido xenófobo A Direita.
Desde 2000, cinco assassinatos foram cometidos por neonazistas em Dortmund. Também foram registradas várias agressões a estrangeiros.
“Essas ameaças são um tipo de confirmação de que o nosso trabalho tem um efeito”, diz Weiermann. “Eu não vou desistir agora. Não mesmo.”