No leste da Ucrânia, moradores sentem pouco efeito da trégua
18 de fevereiro de 2015O distrito de Petrovsky fica a apenas 20 minutos de carro do centro de Donetsk. Durante meses, tem sido uma área virtualmente interditada para a maioria das pessoas. Além de um grupo de homens armados, poucas pessoas se arriscam a sair nas ruas. Desde o meio do ano passado, bombardeios na área têm sido quase diários, obrigando muitos moradores a ir para os porões.
O principal abrigo subterrâneo de Petrovsky está localizado no centro cultural local. Em tempos de paz, o local era palco de concertos e outras atividades culturais. Mas, para algumas centenas de pessoas, o porão se tornou lar durante semanas ou até meses.
"Só vamos em casa de vez em quando, para nos lavar. Mas fora isso, ficamos aqui permanentemente", conta Eleonora Tsvetkova, que vive aqui desde agosto do ano passado. "Ontem à noite houve um forte bombardeio, e todas as janelas de um lado deste edifício foram quebradas. Nem um dia se passa sem que sejamos bombardeados, tanto de noite como de dia. Quem está atacando? Os ucranianos, é claro."
De acordo com os moradores do abrigo, a situação não mudou significativamente desde que ambos os lados do conflito concordaram em estabelecer um cessar-fogo, a partir de 15 de fevereiro.
"Praticamente nada mudou por aqui", diz Lyubov Voyevchik. "Não há cessar-fogo, ou um muito frágil, para dizer o mínimo. Ontem, várias bombas caíram não muito longe daqui. Durante o dia, as pessoas correm para suas casas para tomar banho ou fazer algumas outras coisas. Mas à noite elas voltam para o abrigo, porque ninguém acredita que o cessar-fogo vai durar."
Lyubov diz que ouviu bombardeios quando visitou o bairro de Tekstilshchik, não muito longe: "A qualquer momento eles podem abrir fogo novamente. Você não pode confiar neles."
Moradores culpam Kiev
Com "eles", Lyubov se refere às tropas ucranianas, que ela considera responsáveis por qualquer violação do cessar-fogo. As pessoas aqui acreditam, em geral, que Kiev começou a guerra, não os separatistas pró-russos que dizem buscar a independência ou, pelo menos, um alto grau de autonomia para as regiões de Donetsk e Lugansk.
Esta é a mensagem que as pessoas têm ouvido desde o início do ano passado, através de canais de televisão russos e da mídia controlada pelos rebeldes locais. A derrubada do ex-presidente ucraniano Viktor Yanukovitch foi apresentada como um golpe de Estado "fascista". Os novos governantes em Kiev, em seguida, enviaram tropas para sufocar uma revolta no leste do país, de acordo com a versão dos fatos apresentada ali.
Entre as centenas de pessoas que vivem no abrigo do distrito de Petrovsky, estão cerca de 70 crianças. Eles não vão para a escola e quase nunca se aventuram fora do abrigo. "Elas foram roubadas de ar fresco", diz Lyubov Voyevchik. As crianças têm pouco para comer, e a comida que conseguem é de baixa qualidade.
Ajuda humanitária raramente chega aqui, embora recentemente alguns mantimentos tenham sido, finalmente, entregues por militares. "Isso ocorreu pela primeira vez em seis meses", diz ela.
Experiências traumáticas
A maioria das crianças viveu experiências traumáticas. Entre elas está Stasik, um menino de quatro anos. "Minha avó foi fazer o jantar para mim", lembra. "Em seguida, houve um enorme estrondo. Teve até estilhaços caindo do teto. Depois, veio outra explosão. Eu fiquei com muito medo. Mas então minha mãe veio para nos ajudar."
As pessoas que vivem no abrigo têm medo de sair. Zina Yesikova, de 70 anos, diz que simplesmente não tem condições para ir para outro lugar. "Meu marido trabalhou nas minas por 40 anos", frisa.
"Ele morreu em 15 de agosto, de insuficiência cardíaca. Sozinha, tenho medo de ficar em casa, é por isso que estou aqui. Em casa, quando os bombardeios começam, eu tenho que correr para aqui, mas eu nunca posso ter certeza se vou conseguir ou não. Muitas pessoas optaram por permanecer em suas casas, muitos outros as deixaram completamente. Eu fiquei, porque não saberia para onde ir." Zina diz que sua filha não mora longe, no bairro Maryinka, de Donetsk. Mas pelo menos, afirma, o bombardeio era ainda pior antes do cessar-fogo.
Colchões e tendas
As cerca de 250 pessoas que moram no porão do centro cultural dormem em colchões e camas dobráveis. Katya Dynya, uma jovem mãe, ocupa uma pequena tenda no porão, junto com a filha de um ano, Miroslava. Há apenas um banheiro para todos os ocupantes.
Algumas pessoas aqui dizem que preferiram ficar em suas casas até que perceberam que isso havia se tornado muito perigoso. Olga Berestovaya, de 60 anos, escapou por pouco quando uma bomba atingiu seu apartamento em 20 de janeiro.
"Ela atravessou o piano", diz ela. "Felizmente aconteceu de eu estar em outra sala no momento. Mas, então, eu decidi sair e não abusar mais da sorte."
"Os membros da comunidade do abrigo dividem o que têm", relata, por sua vez, Eleonora Tsvetkova. "Nós cozinhamos juntos e comemos juntos, de modo que seja o suficiente e seja acessível ao bolso." Ela mora no abrigo com a filha de três anos, Lilya.
Eleonora diz que a menina ainda tenta acalmar seus pais em situações de estresse, por exemplo, quando eles estavam visitando sua casa exatamente no momento em que caiu uma bomba.
"Ela vai fazer três anos e meio em 15 de fevereiro", diz. "Mas ela cresceu de repente. Todos os dias ela me pergunta: 'Quando vai acabar a guerra? Não se preocupe, mãe, isso vai acabar. Só me diga quando!'"
O marido de Eleonora e pai de Lilya prefere ficar no apartamento, porque ele não gosta de viver em um porão com tantas outras pessoas. Só em caso de bombardeio pesado, ele corre para o abrigo.
"Quando eles começam a bombardear, estou aqui com minha filha, com toda a segurança", diz Eleonora. "Meu marido é alto e magro, ele pode correr rapidamente para cá. Ele sabe que pode salvar a si mesmo, mas ele não conseguiria salvar nós três, caso algo acontecesse."
Escola bombardeada
A escola perto do centro cultural foi bombardeada, o telhado foi bastante danificado. Mas as crianças no porão ainda recebem tarefas que podem fazer em casa, passadas por outra escola, que ainda está funcionando num bairro próximo.
"E, com as crianças pequenas, nós desenhamos, dançamos, nós conversamos com elas o quanto podermos. O último jardim de infância remanescente no nosso bairro foi destruído no dia 26 de janeiro", lembra Eleonora Tsvetkova.
Lyubov Voyevchik não esconde sua simpatia pela causa rebelde, mas reconhece que as pessoas comuns, como ela, sofrem de ambos os lados da linha de frente.
"É claro, nossos combatentes também estão bombardeando, por exemplo, em Debaltsevo. Mas o que podemos fazer? Isto é uma guerra. Eles vieram aqui com suas armas. Donetsk era uma bela cidade. Tínhamos o melhor aeroporto da Europa, e veja o que aconteceu. O que eles fizeram com nossa cidade?"
Mais cedo ou mais tarde, toda guerra termina em paz. Será que a reconciliação é possível depois de tudo que aconteceu? Lyubov não tem tanta certeza. Ela diz que sente que Kiev sempre considerou o povo do leste cidadãos de segunda classe. "Será que isso vai mudar quando a guerra terminar? O que vai acontecer? Ninguém sabe."