Nobel de Literatura para escritora de língua alemã
7 de outubro de 2004A escritora austríaca Elfriede Jelinek, 57 anos, foi agraciada com o Prêmio Nobel de Literatura deste ano. Segundo a Academia Sueca em Estocolmo, Jelinek mereceu o prêmio devido ao "fluxo musical de vozes vozes e contravozes em seus romances e peças teatrais, que, com paixão lingüística única, desmascaram as absurdidades e o poder coercivo dos clichês sociais".
Considerado o maior prêmio literário mundial – no valor de 1,1 milhão de euros, o Nobel de Literatura já foi entregue a 12 autores de língua alemã, nove dos quais nascidos na Alemanha. O último havia sido dado, em 1999, a Günter Grass, "que pintou, com alegres fábulas negras, a face esquecida da história".
Até então, a única mulher de língua alemã a levar o prêmio fora Nelly Sachs em 1966. Jelinek repete o fato quase 40 anos depois. Desde sua criação em 1901, o Nobel de Literatura já foi entregue a 89 homens e apenas a 10 mulheres. Dos 18 membros vitalícios da Academia Sueca, apenas quatro são do sexo feminino.
Trata-se, além do mais, da primeira vez que o Nobel de Literatura é consagrado a um escritor austríaco. Mesmo que Jelinek tenha dito que não vê o prêmio como "uma flor no botão da camisa" da Áustria, no país o prêmio está sendo interpretado como uma revalorização da literatura nacional.
Medo da atenção pública
Jelinek foi comunicada sobre o prêmio por telefone em seu apartamento em Viena. "Quando você escuta o sotaque sueco, você tem que acreditar", brincou Jelinek, que nem constava entre os favoritos. Ela disse estar muito surpresa e honrada com a premiação, mas que não poderá comparecer pessoalmente à premiação, em 10 de dezembro – aniversário de morte de seu fundador Alfred Nobel, na capital sueca. "Não estou fisicamente doente, mas não tenho condições psicológicas de me expor", disse.
Ela não se considera a pessoa certa para ser "arrastada ao centro da opinião pública. Aí eu me sinto ameaçada". Ela espera que possa "se retirar e aproveitar o dinheiro, pois com ele dá pra viver sem preocupações". Jelinek teme que o prêmio venha a se tornar uma "carga pessoal". "Claro que também estou contente, não há motivos para hipocrisia. Mas eu sinto mais desespero que alegria. Eu quero me afastar um pouco, os últimos prêmios eu também não recebi pessoalmente."
Ela também chamou atenção para o fato de que, "se uma mulher recebe um prêmio, ela o recebe como mulher e não pode comemorar de maneira irrestrita. Mas, se Peter Handke, que mereceria esse prêmio muito mais que eu, recebesse um prêmio, ele o receberia como Peter Handke".
Repercussão positiva na Alemanha
Peter Handke, ele próprio, não escondeu o entusiasmo pela premiação da colega. "Super! Incrível! Prodigioso!" Segundo ele, Jelinek é "uma escritora atual como quase ninguém mais. Ela vai ao centro da questão".
Na Alemanha, as reações também foram muito positivas. Para a ministra alemã da Cultura, Christina Weiss, que disse estar "entusiasmada com a decisão inesperada do comitê", os textos de Elfriede Jelinek são um verdadeiro "acontecimento lingüístico".
O editor Alexander Fest, da Rowohlt – que editou diversos textos de Jelinek na Alemanha e detém também os direitos sobre suas peças teatrais, demonstrou "grande alegria" pela autora, que se distingue pela sua "linguagem escandalosa" e seu "estilo completamente obstinado".
Para o editor do jornal Die Zeit, Michael Naumann, a escolha do júri foi tão surpresa quanto merecida e será como "um grande choque para os austríacos, que agora começarão a ler". O crítico literário alemão Marcel Reich-Ranicki também disse estar "extraordinariamente satisfeito" sobre a premiação de escritores "extremos e radicais".
Contra estruturas machistas de poder
Nascida em 1946, em Mürzzuschlag, Elfriede Jelinek estudou órgão e composição no Conservatório de Viena. Em 1964, começou o estudo da história da arte e das artes cênicas. Em seus textos, Jelinek trata da sexualidade feminina e de seu abuso. Seus romances, traduzidos para 18 línguas, chocam o leitor com cruas descrições de brutalidades e abusos de poder.
Entre seus títulos principais estão As amantes (1975) e Os filhos dos mortos (1995), além de A pianista (1983), adaptado ao cinema por Michael Haneke, com Isabelle Huppert no papel principal. Jelinek tematizou também o envolvimento austríaco com o regime nazista e chamou atenção da mídia ao proibir a execução de suas peças na Áustria devido à eleição do político populista de direita Jörg Haider.