Nova Constituição ignora direitos das mulheres no Egito
19 de dezembro de 2012Nihad Abu el Konsam é feminista e muçulmana praticante. Ela luta pelos direitos das mulheres, de terninho bege e lenço vermelho vivo na cabeça, e é a melhor prova de que as mulheres do Egito são capazes de viver segundo o Alcorão e, ao mesmo tempo, encarar os homens de igual para igual.
Mas ela é uma exceção no país às margens do Nilo, admite a advogada e diretora do Centro Nacional pelos Direitos das Mulheres. Konsam teme que, munidos precisamente da nova Constituição, os fundamentalistas islâmicos tentem fazer retroceder a roda da história.
"É um desastre. Não existe, de fato, nenhum artigo no esboço da Constituição que mencione os direitos feminos", comenta. "Nós, juristas, fizemos uma série de sugestões para artigos constitucionais, visando compensar problemas sociais e culturais, e garantir às mulheres os seus direitos. Mas os radicais ignoraram tudo isso."
Apenas no Artigo 10 do esboço de nova Lei Fundamental do Egito é tematizado, de passagem, o importante papel da mulher como mãe, destaca a jurista.
"Cem anos para trás"
A discórdia em torno da nova Constituição dividiu profundamente o mais populoso país árabe. A oposição acusa os fundamentalistas de quererem transformar o Egito num Estado religioso. A Irmandade Muçulmana e os radicais salafistas insinuam que os oposicionistas, a Justiça e a imprensa estariam conspirando para derrubar o presidente Mohammed Morsi.
Apesar dos choques violentos que resultaram em mais de uma dezena de mortos e várias centenas de feridos, Morsi manteve o cronograma para o referendo popular sobre o esboço. A primeira fase, em 15 de dezembro de 2012, recebeu o "sim" de uma pequena maioria para o polêmico documento. O segundo turno está marcado para o próximo sábado.
Konsam votará "não". "Essa Constituição vai fazer o Egito retroceder cem anos", justifica. O problema não é o fato de os preceitos da lei islâmica serem a principal fonte da legislação. "Pois os fundamentos da sharia são igualdade, dignidade humana e os princípios que todas as religiões têm em comum. À primeira vista, isso soa bem."
Porém, a Carta Magna é muito vaga, abrindo as portas para a interpretação fundamentalista e, assim, para a discriminação das mulheres e de outros cidadãos egípcios, preocupa-se a ativista.
"Todos os cidadãos são iguais" não basta
Ela não se tranquiliza com a alegação dos representantes da Irmandade Muçulmana – a que também pertence o presidente Morsi – de que, de qualquer modo, de acordo com a Constituição, todos os cidadãos são iguais. Afinal, não é à toa que seu escritório está abarrotado de processos judiciais.
O artigo constitucional que assegura direitos iguais a todos os cidadãos existe desde 1971, ressalta Konsam. "Mas justamente nesse espaço de tempo, há 40 anos, as mulheres sofrem discriminação em todos os setores. Até hoje não temos no Egito juízas que ocupem as mesmas posições que os homens. Em certos ramos industriais, as mulheres não são aceitas. Há desvantagens nos salários e na formação profissional. A quota de desemprego é quatro vezes maior entre as mulheres do que entre os homens. Não temos nenhuma lei contra violência doméstica. E quando vamos ao tribunal, os agressores são absolvidos."
A advogada teme que os fundamentalistas islâmicos tenham "adaptado" a Constituição às próprias necessidades. Assim, pode acontecer, por exemplo, que a mutilação genital feminina volte a ser legalizada, que a idade mínima para casamento seja reduzida para 9 ou 11 anos, e que as leis de divórcio sejam novamente questionadas.
"Estamos esperando uma luta dura", antecipa Konsam, pouco otimista.
Violência real
E a batalha não é travada apenas com palavras. Quando os críticos de Mohammed Morsi se reuniram diante do palácio presidencial – em protesto contra seu decreto de ampliação de poderes e contra o esboço constitucional imposto às pressas –, os manifestantes foram brutalmente atacados por milhares de adeptos da Irmandade Muçulmana. E os fundamentalistas provaram que estão dispostos a pisotear não só os direitos femininos, mas também as próprias mulheres.
No dia seguinte, trazendo o rosto parcialmente roxo e inchado – marcas deixadas por seus agressores – a jovem ativista Ola Shahba relatou na televisão privada egípcia:
"Eles me espancaram de todos os lados com bastões, me pisaram, me apertaram o pescoço. Eles me tocaram, meu corpo, meus seios. Eles me mantiveram presa durante horas. Eu nunca pensei que os chamados 'islamistas' fossem capazes de algo assim."
Autoria: Cornelia Wegerhoff (av)
Revisão: Francis França