Lei alemã quer acabar com injustiça salarial entre gêneros
8 de janeiro de 2018Será que eu poderia receber mais dinheiro pelo meu trabalho? Na Alemanha, quem faz esse questionamento poderá se referir a uma nova lei que passou a valer oficialmente no dia 6 de janeiro – a chamada Lei de Transparência da Remuneração.
Agora, a funcionária ou funcionário que trabalha numa empresa com mais de 200 pessoas tem o direito de perguntar ao chefe ou ao conselho de funcionários quanto a firma paga por trabalhos equivalentes ao seu.
Apesar de os empregados ainda não ficarem sabendo quanto o colega da mesa ao lado ganha por mês, é possível classificar o próprio salário – e, eventualmente, pedir um aumento.
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A ministra alemã para a Família e as Mulheres, Katarina Barley, enxerga a nova lei como um fortalecimento dos direitos das mulheres: "Se uma mulher tiver certeza de que, em comparação com um homem, recebe uma remuneração pior, ela pode iniciar uma ação judicial para reivindicar o mesmo salário pela mesma atividade – ou equivalente", afirmou a política social-democrata.
Portanto, a lei, que já havia entrado em vigor em julho de 2017, mas que pode ser parcialmente aplicada apenas neste início de 2018, deve criar mais justiça salarial. Na Alemanha, isso ainda é um problema: segundo o Ministério da Família, mulheres ainda recebem cerca de um quinto a menos do salário dos homens.
O motivo é que, na maior parte dos casos, são as mulheres que trabalham em tempo parcial, ocupam cargos de chefia com menos frequência e, usualmente, trabalham em setores que, geralmente, tem remuneração pior, como enfermagem. Mas, mesmo se esses fatores forem deixados de fora dos cálculos, a diferença nos salários entre mulheres e homens na Alemanha permanece em cerca de 6%.
Com esses números, o país ocupa uma das piores posições em justiça de salários na Europa. A diferença na remuneração entre homens e mulheres é maior somente na Estônia e na República Tcheca. Os países mais justos – pelo menos, à primeira vista – são Luxemburgo e Itália.
Mas a Fundação Hans-Böckler, ligada a sindicatos, alerta contra conclusões precipitadas, já que a cota de disparidade entre gêneros pode ser explicada também por uma taxa menor de participação das mulheres no mercado de trabalho. Quem não trabalha não aparece nas estatísticas – e, consequentemente, não puxa os números para baixo. Na Itália, por exemplo, o Instituto Nacional de Estatísticas mostra que apenas metade das mulheres exerce atividade remunerada.
Mais simbolismo, menos efeitos na prática
A nova obrigatoriedade de informação quer combater a injustiça no tratamento de mulheres na Alemanha, mas especialistas no mercado de trabalho questionam os efeitos positivos da lei.
Para Christina Klenner, pesquisadora de gênero no Instituto de Economia e Ciências Sociais da Fundação Hans-Böckler, a lei tem sobretudo um caráter simbólico. Ela acha que o texto tem muitos pontos fracos – um exemplo é a referência apenas a empresas com mais de 200 funcionários.
"Isso quer dizer que muitas mulheres nem serão afetadas pela lei, já que são especialmente as mulheres que trabalham em pequenas empresas [na Alemanha]", explica.
Outro obstáculo: é preciso encontrar pelo menos seis representantes do outro gênero que exerçam a mesma atividade ou uma equivalente para reivindicar um aumento de salário. Essa condição visa a garantir a anonimidade dos funcionários. Faz-se então uma média de todos os ganhos comparáveis – e é essa média que é comunicada à pessoa que pede a informação.
Isso quer dizer que não se fica sabendo o salário individual dos colegas, mas a média salarial de pelo menos seis colegas. "Como é que eu, uma única funcionária, vou encontrar seis pessoas para comparar?", questiona Klenner, que diz que é muito trabalho para uma pessoa só.
E esse trabalho não acaba aí, afirma a especialista. Se a funcionária, por exemplo, identificar uma diferença de ganho ligada ao gênero e o chefe não quiser pagar mais, a única alternativa seria processar a empresa para ganhar o tão sonhado aumento.
Por outro lado, Klenner acredita que o fato de a remuneração de atividades equivalentes – e não necessariamente iguais – serem investigadas é positivo. Ou seja: a profissional de marketing não precisa se comparar a colegas no próprio departamento, mas pode buscar equivalências junto a funcionários que trabalhem na contabilidade da empresa.
Elke Holst, diretora de pesquisas para Estudos de Gênero no Instituto Alemão de Pesquisas Econômicas (DIW), também vê a nova lei como "uma pedrinha de mosaico". Mas ela acredita que o texto seja importante para que a diferença salarial de gênero continue sendo discutida e não seja esquecida.
A Federação Alemã de Sindicatos (DGB) também criticou a iniciativa. Elke Hannack, vice-presidente nacional da associação, acha que a obrigatoriedade de informar sobre salários deverá contribuir no máximo para que as estruturas salariais em empresas fiquem mais transparentes. "Isso não adianta nem de longe para fechar, de fato, a lacuna salarial", avalia.
Islândia penaliza diferença salarial
As especialistas exigem que a política inverta os papeis – não é a funcionária que deve pedir uma informação que poderia lhe custar o emprego ou a imagem. Ao contrário, segundo as estudiosas, são as empresas que devem tomar a iniciativa de verificar as estruturas salariais e eliminar desigualdades.
Esse tipo de medida já vale na província canadense de Québec ou na Suécia – e na Islândia, de forma mais acentuada. O país insular protagonizou manchetes nos últimos dias porque, atualmente, a diferença na remuneração entre homens e mulheres é punível por lei. Empresas com mais de 25 funcionários são avaliadas pelo governo a cada três anos para saber se homens e mulheres em posições e níveis de estudos equivalentes recebem o mesmo salário.
Com isso, a Islândia é o primeiro país do mundo a proibir a diferença no ganho entre homens e mulheres. E, ao contrário da Alemanha, não são as mulheres que precisam provar que existe uma lacuna. Em vez disso, é a empresa que tem que provar que remunera seus funcionários de forma justa.
Christina Klenner, da Fundação Hans-Böckler, cita os países nórdicos como exemplo – independentemente da Islândia. Para ela, a justiça salarial já começa na escolha de palavras: "Na Noruega, fala-se numa paixão – ou seja, um entusiasmo – pela igualdade de direitos. Na Alemanha, ainda podemos melhorar bastante nesse sentido", diz.