Buhari poderá deter Boko Haram, diz sociólogo
1 de abril de 2015O economista e sociólogo alemão Robert Kappel dirigiu até 2011 o Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), em Hamburgo. Desde então, ele integra o Instituto de Estudos Africanos da mesma instituição, de onde analisa a situação política da Nigéria.
Em entrevista à DW, ele afirma que a vitória de Muhammadu Buhari nas eleições presidências do último domingo poderá resultar em avanços na luta contra o grupo terrorista Boko Haram, tanto militar como diplomaticamente.
Deutsche Welle: O presidente Goodluck Jonathan parabenizou seu oponente Muhammadu Buhari pela vitória nas eleições presidenciais. O que poderá Buhari fazer de diferente em relação a seu antecessor?
Robert Kappel: Ele poderá conduzir a luta contra o Boko Haram de forma mais decidida, não apenas por meios militares, mas também através de soluções negociadas. Considero isso muito importante. Em segundo lugar, ele irá tentar lutar contra a corrupção, que atingiu proporções inacreditáveis durante a presidência de Goodluck Jonathan. Buhari é considerado incorruptível e deverá lutar com mão de ferro contra esse problema.
Além disso, Buhari poderá ser reconhecido como um legítimo representante do norte do país e, como muçulmano, terá a possibilidade de lidar melhor com os problemas da região: o atraso econômico, o alto desemprego – principalmente entre os jovens – e as deficiências do sistema educacional. Ele poderá contribuir para estabelecer um equilíbrio entre o a relativamente rica região sul e o norte empobrecido.
Muhammadu Buhari já foi presidente na Nigéria. Em 31 de dezembro de 1983 ele liderou um golpe militar no país e governou com mão de ferro até agosto de 1985. É possível acreditar em sua conversão à democracia?
Ele costuma dizer que foi purificado. Eu tenho as minhas dúvidas. Espero que a oposição resista, caso ele tente estabelecer algum tipo de ditadura militar de menor magnitude. Se o país passar por um período de instabilidade, como, por exemplo, se a oposição contestar o resultado das eleições, é possível que os novos líderes estabeleçam medidas como toques de recolher e talvez até instituam um regime militar. Esse perigo existe.
Jonathan, aparentemente, admitiu a derrota. Mesmo assim, ainda é possível que haja protestos em sua base eleitoral, no delta do rio Níger, uma região rica em petróleo. O que poderia resultar disso?
Se forças de segurança forem deslocadas para outras regiões do país, isso poderá resultar em novas ofensivas do Boko Haram, uma vez que os militares teriam de ser deslocados da região norte. O Boko Haram poderia usar essa instabilidade relativa para planejar novos ataques. Esse seria o pior cenário para a Nigéria, mas, infelizmente, não pode ser descartado.
O presidente eleito é um muçulmano, oriundo do norte, onde o Boko Haram age. Quais poderiam ser suas vantagens na luta contra os terroristas?
Acredito que ele tem melhores possibilidades para deter o Boko Haram. Ele poderá desenvolver uma nova estratégia junto a grupos islamistas do norte para anular os jihadistas. Ao reunir grupos ativos social e politicamente na região, ele poderá enfraquecer o Boko Haram.
Buhari tem boas conexões com a elite muçulmana do norte. Ele poderá angariar apoio em larga escala, também entre os mais pobres, que não costumam ter voz. Ele compreende as pessoas e conhece seus problemas, e será recebido de braços abertos na região. Entretanto, a forma como ele é visto no sul já é uma outra questão.
Apesar dos temores, o Boko Haram realizou apenas ataques isolados durante as eleições no fim de semana. Há alguns dias, os militares anunciaram vitórias contra os terroristas. O Boko Haram está enfraquecido?
Não acho que haja razão para respirarmos aliviados. O Boko Haram aguarda para ver como a situação vai se desenvolver, enquanto reorganiza suas forças. Seguramente eles vão voltar a realizar novos ataques de grandes proporções.
O grupo não está destruído, apenas um pouco abalado, principalmente pelas ações das tropas dos Camarões, do Chade e dos mercenários da África do Sul, Rússia e Ucrânia, que lutam ao lado do exército nigeriano. Mas em algum momento não será mais financeiramente viável mantê-los. Apesar de o Boko Haram ter perdido centenas de combatentes, presumo que ainda tenha 5 mil ou 6 mil milicianos, e que tenham adquirido novos armamentos.
Como foi possível o Boko Haram se transformar de um grupo rebelde local para uma organização terrorista que ameaça toda a região?
É preciso compreender o ambiente em que o grupo ganhou força. Eles têm bons contatos na polícia, entre os militares e a elite da região. Entretanto, estão isolados em consequência de seus ataques terroristas, massacres e extermínio de pequenas cidades e vilarejos. Ninguém quer ser associado a esse grupo.
Mas eles têm seus apoiadores, que não são poucos, que são as pessoas sem oportunidades de trabalho ou educação. O Boko Haram tem grande aceitação nesse meio, porque oferece aos seus milicianos um pequeno salário e tarefas específicas. Por tudo isso, alguma coisa precisa ser feita, senão o país acabará sendo dividido. É inaceitável que o norte seja completamente isolado do êxito econômico do país.