Não há presente sem passado
30 de janeiro de 2013A vida e a cultura judaicas voltaram a fazer parte da vida na Alemanha. O número de judeus no país cresceu a partir de 1989 mais rapidamente do que no resto da Europa, somando hoje mais de 100 comunidades, que reúnem mais de 100 mil membros praticantes. Ou seja, o fato de judeus viverem no país voltou a ser normalidade. Para a Alemanha, isso é muito importante, embora não seja uma obviedade.
Pois a partir de 1933 os judeus e a cultura judaica foram marginalizados, insultados e expulsos do país. Milhões de pessoas foram vítimas do delírio racial dos nazistas. Em torno de 400 mil judeus deixaram o território onde fica hoje a Alemanha em fuga do terror nazista e de sua máquina de extermínio. Com o nazismo, a sociedade alemã perdeu escritores, artistas, cineastas, filósofos e excelentes cientistas. A maioria deles nunca mais voltou.
Tanto homens, quanto mulheres: o gênio da física Albert Einstein, o pintor Max Beckmann, escritores conhecidos como Kurt Tucholsky ou a então futura ganhadora do Prêmio Nobel Nelly Sachs, pensadores como Hannah Arendt e Theodor Adorno. E também Henry Alfred Kissinger, que viria a ser Secretário de Estado norte-americano. Eles levaram para seus novos países suas experiências e os hábitos alemães que cultivavam, seus costumes e predileções. Alguns mais, outros menos.
Pesquisas ambiciosas
Como acontece com os protagonistas do grande projeto multimídia da Deutsche Welle, intitulado Spurensuche – busca de vestígios. Os repórteres da DW viajaram a dez países à procura dos rastros dos imigrantes judeus alemães. Quando eles chegaram? O que trouxeram? Como influenciaram a cultura dos países nos quais passaram a viver? E como é sua vida judaica hoje?
Hoje, ainda é possível ouvir e se encontrar com testemunhas desta fuga e desterro. Por isso foi importante para nós, do ponto de vista jornalístico, centrar a atenção nessas pessoas, deixá-las falar e documentar suas histórias. Encontramos estudiosos e testemunhas em idade muito avançada. Trata-se não apenas de refugiados do Holocausto, mas também de judeus cujas famílias haviam saído da Europa antes, pois a perseguição política dos judeus, por razões racistas, tem suas raízes muito antes de 1933 [o ano que em os nazistas tomaram o poder].
Entre os aqui retratados estão historiadores, especialistas de museus, artistas, uma cozinheira, rabinos, homens de negócios, poetas, músicos, funcionários de arquivos – de três gerações distintas. O resultado é uma série de retratos de personalidades fortes, atuantes e impressionantes. Muitos deles contribuíram para fortalecer a cultura judaica em seus novos países, inclusive fundando organizações judaicas. Com eles, visitamos os antigos bairros de judeus de origem alemã, fomos a museus, participamos como convidados de encontros de família, de um festival de literatura, estivemos nas salas de suas casas, em cursos de ídiche e em redações de jornais.
E, na busca de vestígios, também nos antigos guetos e em memoriais que lembram os crimes nazistas. Essas histórias de vida conectam-se em uma rede multifacetada de cultura judaica alemã em todo o mundo. A "busca de vestígios" da DW deixa claro: nosso presente alemão e nossa sociedade alemã não podem ser compreendidos sem este passado.
Responsabilidade da Deutsche Welle
Isso corresponde à incumbência e à compreensão da DW do que é jornalismo: queremos mostrar que a Alemanha é um país moderno e aberto, mas também uma sociedade consciente de suas raízes culturais e históricas e do valor delas. E que, ao mesmo tempo, está ciente de sua responsabilidade peculiar frente ao judaísmo, colocando-se por diversas vezes contra ataques e adversidades da forma como acontecem com frequência no passado recente.
Com apoio do Centro Moses Mendelssohn e do Ministério alemão do Exterior, a DW conseguiu documentar esse aspecto em suas complexas pesquisas. Trata-se de um registro da história cultural com protagonistas marcantes. Espero ter aguçado a curiosidade de vocês. E agradecemos se enviarem opiniões e comentários sobre esta nossa busca de vestígios. (sv)
Ute Schaeffer é editora-chefe da Deutsche Welle