O Brasil na imprensa alemã (17/08)
17 de agosto de 2022die tageszeitung: Apreensão com Trump do Brasil (11/08/2022)
Muitos brasileiros temem que o presidente Jair Bolsonaro não aceite uma derrota eleitoral em outubro.
Em 8 de agosto de 1977, milhares de pessoas se reuniram no pátio da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Uma carta foi lida, denunciando a ditadura militar de direita do Brasil e pedindo o retorno à democracia. Quarenta e cinco anos mais tarde, uma carta será apresentada novamente no mesmo local. A demanda é clara: os resultados das eleições de outubro devem ser reconhecidos a todo custo. O texto diz que, no Brasil, não há lugar para "retrocessos autoritários".
Além da apresentação oficial do texto em São Paulo, onde milhares de pessoas são esperadas, haverá comícios em todo o país onde a carta também será lida.
Mesmo que nenhum nome seja mencionado ali, está claro para quem a mensagem é endereçada: Jair Bolsonaro. O presidente de ultradireita anunciou repetidamente sua intenção de contestar o resultado das urnas. Recentemente, em uma reunião com embaixadores, ele alimentou mais uma vez dúvidas sobre o sistema de votação eletrônica, apesar de um teste de segurança em maio não ter detectado problemas. "Só Deus" pode removê-lo do cargo, declara repetidamente o valentão da direita. Muitos temem que Bolsonaro faça algo ainda pior do que Donald Trump tentou depois de sua derrota nos EUA.
As ameaças antidemocráticas de Bolsonaro não são novas, mas geralmente não provocam um grande clamor social. Agora, porém, algumas semanas antes das eleições, o manifesto reúne pela primeira vez campos políticos e sociais muito diferentes contra as fantasias golpistas de Bolsonaro. A carta foi assinada por juízes, músicos, intelectuais, atletas e, após ser divulgada pela imprensa, por quase um milhão de brasileiros. O ex-presidente Lula, que concorrerá contra Bolsonaro nas eleições de 2 de outubro e está liderando com vantagem clara, e outros oito candidatos presidenciais também assinaram a carta. Apenas o nome Bolsonaro ficou faltando.
Em uma reunião com banqueiros, o presidente criticou a iniciativa e declarou: "Quem é democrata não tem que assinar cartinha". Ele também equiparou a iniciativa da carta a um palanque para Lula, embora o nome do ex-presidente não seja mencionado em nenhuma parte do texto.
Um golpe amargo para Bolsonaro provavelmente foi a assinatura de algumas forças tradicionalmente próximas a ele. O presidente da direitista Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), assim como alguns representantes empresariais de renome, também publicaram um manifesto similar. Na eleição de 2018, muitos representantes da elite empresarial tomaram o partido de Bolsonaro. Muitos empresários, especialmente as multinacionais do agronegócio, continuam lealmente atrás dele. (...)
Sem o apoio da elite, poderia ser difícil para Bolsonaro vencer as eleições. A probabilidade de uma ruptura autoritária é também bastante pequena sem o apoio da comunidade empresarial.
Entretanto, o fato de que partes da elite estão se afastando parece ter pouco a ver com uma mudança geral de rumo. Não foram as políticas desumanas de Bolsonaro que se tornaram o problema, mas apenas a instabilidade econômica.
Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung: A Batalha pelo futuro do Brasil (14/08/2022)
A disputa está 184 a 68 para Lula. Pelo menos é o que mostra um placar no coração da metrópole brasileira de São Paulo. Fernando Lopes colocou lá seu estande de toalhas de banho que mostram retratos do presidente Jair Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os dois se enfrentarão nas eleições presidenciais dentro de dois meses, e as toalhas estão sendo vendidas como pães quentes.
Os resultados do placar no qual Lopes anota os números de vendas de cada candidato atraem ainda mais as pessoas a comprar. "Alguns querem aumentar a liderança de seus candidatos ou virar o resultado, como se com isso pudessem influenciar a eleição em outubro." Desde que passou a exibir o placar, ele passou a vender até 30 toalhas nos melhores dias. Antes, eram de quatro a cinco. "Eu me beneficio com a polarização no país. Eles brigam entre si e eu ganho dinheiro para minha família com isso." (...)
O clima entre a população é tenso a agressivo. Em algumas famílias e entre amigos, as conversas sobre política são muitas vezes evitadas. Lopes sabe disso. Em sua família, diz ele, há disputas sérias sobre política. "Nós nunca tivemos isso", diz o vendedor ambulante, que está considerando se ainda votará ou não em outubro. "Não quero me arrepender depois", diz ele.
Muitos brasileiros estão desapontados. Durante anos, uma luta política tem sido travada na quarta maior democracia do mundo, o que tem irritado e, em alguns casos, radicalizado a população. Tudo começou quase oito anos atrás. Enquanto a economia estava estagnada e o descontentamento entre a população estava sendo gestado sob a forma de protestos, um gigantesco escândalo de corrupção veio à tona após as eleições de 2014, abalando o país e sua classe política. Foram iniciadas investigações contra muitos políticos e empresários, vários foram presos. Impulsionado por manifestações e assustado com o início de uma caçada em Brasília, o Congresso depôs a sucessora de Lula, Dilma Rousseff, em um procedimento controverso.
Nesse ambiente, o outsider de direita e deputado veterano Bolsonaro se tornou um candidato promissor. De certa forma, ele é produto da divisão no Brasil, da frustração e crescente ódio à política. Em 2018 apresentou-se como uma solução, prometendo vingar-se em nome dos desiludidos com o "establishment". (...)
Desde então, Bolsonaro há muito perdeu o status de azarão que o tornava tão atraente. Os brasileiros agora o conhecem. Eles testemunharam quando o presidente zombou da pandemia enquanto as pessoas morriam às dezenas de milhares. E, mais tarde, descobriram como seu governo recusou ofertas de fabricantes de vacinas enquanto o país ansiava por imunizantes. Afastar-se da "velha política" de nepotismo continua sendo uma promessa. Politicamente, assim como seus antecessores, Bolsonaro se aliou aos oportunistas no Congresso para organizar maiorias. Ele deu cargos importantes para aliados, que também se beneficiam de um "orçamento secreto".
Em termos de política externa, o Brasil se tornou um pária porque Bolsonaro só voltou seus olhos para seu grande ídolo: Donald Trump. No entanto, o maior problema no momento é a crise econômica e a inflação, que estão empobrecendo milhões de brasileiros.
(...) Muitos eleitores de Lula sabem que ele tem pelo menos alguma responsabilidade política pela corrupção durante seu mandato. E, no entanto, ele parece ser o único capaz de vencer Bolsonaro. Há meses ele aparece claramente à frente nas pesquisas. (...) Lula é popular sobretudo nas regiões mais pobres do país e entre as faixas de renda mais baixas, nas quais continua a gozar de grande confiança - são pessoas como Lopes, o vendedor ambulante. "Bolsonaro não gosta de pobre. As pessoas que compram suas toalhas não gostam de pobre." Se tivesse que escolher entre os dois, escolheria Lula, diz. (...)
Mas as sementes de Bolsonaro estão brotando. Hoje, um terço dos brasileiros acha possível que as eleições sejam fraudadas. Isso levantou temores de que Bolsonaro possa imitar Donald Trump e lançar dúvidas sobre o resultado da eleição no caso de uma derrota. Mesmo que venha a aceitar, as dúvidas semeadas por ele podem levar seus apoiadores radicais a agir, como ocorreu nos EUA em 6 de janeiro de 2021. Não falta disposição para violência. Algumas semanas atrás, um dirigente local do PT foi morto por um apoiador de Bolsonaro na cidade de Foz do Iguaçu. (...)
Süddeutsche Zeitung: Michelle Bolsonaro: uma coringa na campanha eleitoral do marido (16/08/2022)
Talvez Michelle Bolsonaro seja a maior surpresa da campanha eleitoral brasileira. Ainda faltam quase dois meses para que o maior país da América do Sul escolha um novo presidente. A maioria dos candidatos é conhecida, e apenas dois têm chances reais: Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro, um ex-presidente contra o atual chefe de Estado.
As pesquisas preveem que Lula pode ganhar com uma vantagem confortável – 47% dos brasileiros querem votar no candidato de esquerda do PT, enquanto pouco menos de 29% querem votar no seu rival de extrema direita. Mas Bolsonaro está lentamente recuperando votos – inclusive entre as mulheres.
Isso é bastante surpreendente, já que até agora o político de direita vinha sendo bastante impopular entre as brasileiras. O ex-capitão é conhecido por piadas grosseiras e obscenas, além de comentários depreciativos sobre a aparência de parlamentares mulheres. Bolsonaro tem quatro filhos e uma filha. Certa vez, ele chamou o nascimento da caçula de uma "fraquejada" – um comentário que muitas mulheres não acharam nem um pouco engraçado. (...) Mas agora é justamente o eleitorado feminino que Bolsonaro quer conquistar, e uma mulher em particular tem um papel fundamental nisso: Michelle Bolsonaro.
A primeira-dama do Brasil tem 40 anos e, salvo algumas exceções, até agora ficou em segundo plano. Alguns compromissos oficiais, algumas visitas de Estado e um pouco de trabalho voluntário: nos últimos anos Michelle desempenhou principalmente um papel de mulher obediente ao lado de Jair Bolsonaro.
Mas agora, com a campanha à reeleição do marido, está sendo diferente. De repente, a primeira-dama do Brasil ganhou um papel de destaque. Em julho, quando Jair Bolsonaro anunciou oficialmente o lançamento da sua campanha em um evento no Rio, foi ela quem fez o discurso de abertura, elogiando suas supostas conquistas para as mulheres brasileiras. (...)
Michelle Bolsonaro se apresenta como uma esposa fiel e uma cristã evangélica profundamente religiosa. Ela diz que seu marido é um "instrumento de Deus" e até publicou nas redes um vídeo que mostra religiosos fazendo orações noturnas no próprio palácio presidencial.
No passado, Michelle Bolsonaro esteve envolvida em escândalos que envolveram "rachadinha" e viagens privadas às custas do Estado. Mas nada disso prejudicou sua imagem de maneira decisiva.
jps/lf (ots)