O Brasil na imprensa alemã (21/03)
21 de março de 2018Frankfurter Allgemeine Zeitung – Um assassinato encomendado, 16/03/2018
É evidente que o assassinato [de Marielle Franco] não foi resultado de um assalto comum, mas que se trata de uma execução direcionada, uma morte encomendada. É que os assassinos sabiam que carro tinham que parar; e alvejaram o banco de trás do veículo, onde Marielle Franco estava sentada.
A pergunta é quem teria interesse em eliminar a política. Ela sempre foi uma pedra no sapato da polícia do Rio, por exemplo. Franco era uma das críticas mais veementes das ações policiais sangrentas nas favelas e dos funcionários públicos e políticos responsáveis por elas.
As especulações sobre a autoria vão sobretudo em uma direção. Muitos suspeitam que o assassinato seja de responsabilidade das chamadas milícias, cujos membros são ex-policiais e agentes na ativa, assim como civis que passaram a trabalhar para o crime organizado.
As milícias controlam várias favelas no Rio de Janeiro, onde praticam extorsão com impostos de proteção e também participam do tráfico de drogas. Elas têm grande significado entre os criminosos, especialmente porque também têm conexões com o aparato de segurança e com a política. Isso pode ser verificado com uma estatística: antes das eleições municipais de 2016, 28 políticos foram mortos no Brasil – a metade deles no Rio de Janeiro. Juízes também são constantemente ameaçados, atacados ou mortos. Especialistas falam numa "colombianização" do Brasil.
Depois do assassinato, debate-se igualmente sobre a intervenção do governo federal. [...] Brasília quer libertar o Rio do crime organizado.
Mas críticos acham que a ação do governo tem motivação política. Acusam o presidente Michel Temer de apostar no tema da segurança para desviar a atenção de sua fracassada reforma da Previdência, meio ano antes da eleição presidencial. Entre os críticos, estava também Marielle Franco, que fazia parte de uma comissão da Câmara dos Vereadores que observa a intervenção de Brasília [no Rio]. A ação precipitada do governo federal, para a qual o Exército estava pouco preparado, ainda não mostrou resultados.
O assassinato de Marielle Franco é um exemplo disso. A interpretação de alguns vai tão longe que eles avaliam o crime como uma provocação orientada especificamente para Brasília. O assassinato da política e ativista de direitos humanos seria uma mensagem anônima e uma demonstração de poder do crime organizado.
O governo federal assumiu a responsabilidade pela segurança no Rio e está sob pressão. O governo disse na quinta-feira [15/03] que o assassinato de Marielle Franco não teria influência sobre a intervenção de Brasília. As ações prosseguiriam segundo o previsto. Mesmo assim, o governo agora está em maus lençóis. Espera-se dele que a morte seja rapidamente esclarecida. Se não conseguir, a intervenção federal no Rio vai perder o pouquinho de credibilidade que lhe resta.
Neues Deutschland – Aumenta ameaça de escassez de água, 21/03/2018
Em novembro de 2015, o rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração no sudeste do Brasil contaminou quase a totalidade do leito do Rio Doce com lama com resíduos tóxicos. Os riscos representados por centenas dessas barragens da indústria de mineração pairam sobre os rios e fontes de água potável brasileiros como uma espada de Dâmocles.
Em fevereiro, as águas residuais com metal pesado de uma fábrica de alumínio inundaram a região de Barcarena (PA). Provavelmente, quase não existe um país que, no século 21, desperdice tanto e tenha tão pouca consideração com o recurso água como o Brasil. Na capital do país, Brasília, acontece desde o último fim de semana o primeiro Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama), criado em 2003. Mais de 2 mil participantes de mais de 30 países se encontram até quinta-feira [22/03] na Universidade de Brasília.
[…] "A água é direito e não mercadoria", diz o lema do fórum alternativo, que luta pelo direito do ser humano à água e contra a privatização do recurso.
Outra ameaça aos recursos hídricos é o agronegócio, diz Bruno Pilon, do Movimento de Pequenos Agricultores, MPA. As imensas monoculturas, como a soja e o eucalipto, segundo ele, modificam as reservas de água nos solos e na atmosfera.
Em todo o Brasil, 70% do consumo de água são de responsabilidade do setor agrícola – especialmente das plantações de soja. Com cada tonelada do grão, o Brasil exporta mais de dois bilhões de metros cúbicos de água. Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Economica Aplicada), em 2013, somente as plantações de soja consumiram um total de 123 bilhões de metros cúbicos de água.
A Marcha Mundial das Mulheres também participa do Fórum Alternativo e critica principalmente os projetos de grande porte de usinas hidrelétricas no Brasil, como Belo Monte. Mais de um milhão de pessoas foram expulsas de suas terras, e a maior parte não recebeu indenização, diz a organização. Outro drama grave, mas que quase não é abordado, são o tráfico de mulheres e a prostituição forçada relacionados a esses projetos.
Die Zeit - Trovejou em algum lugar, 15/03/2018
Um clima pré-apocalíptico paira sobre Porto Alegre, no Brasil. Um verão sufocante, uma greve de motoristas de ônibus. O ano é 2014, e um escritor foi morto a tiros. Seu nome era Duke, um gênio. Sobre ele e, mais ainda, sobre si mesmos, três figuras passam a narrar o romance de Daniel Galera: a estudante de biologia Aurora, o jornalista Emiliano e o publicitário Antero.
Eles recordam como ficaram famosos por pouco tempo com um fanzine online de vanguarda – naquela época, no início do novo milênio. Conforme diz o texto do romance, quando eram "ponta de lança" de uma nova geração "que usaria a internet [...] para ser mais que filhinhos de papai punks, adolescentes grunge suburbanos [...] ou nerds com calças esportivas cobertas de porra" [trechos livremente traduzidos do artigo original em alemão].
Atualmente, eles são pessoas escarradas pelo capitalismo digital, com sonhos sonhados e com suas próprias perdições existenciais. O leitor os observa durante masturbações tristes, suas relações tornadas inconsoláveis, noitadas de sexo e abortos na sequência. Parece que a internet revelou todos os segredos do mundo. A última charada que lhes resta é seu amigo morto, quem ele era e como ele e eles acabaram ficando como são hoje em dia.
Daniel Galera, nascido em 1979, se tornou um dos mais conhecidos escritores contemporâneos brasileiros. Seu último romance, Flut [Inundação em alemão, título dado no país ao romance Barba ensopada de Sangue], sobre os acontecimentos numa vila de pescadores brasileira, lhe rendeu muitos elogios na Alemanha, devido à dureza do texto e pelas alusões mitológicas e teológicas do livro.
Mas, infelizmente, So enden wir [Assim terminamos, tradução alemã para Meia-noite e vinte] é muito ruim – de uma forma que pode deixar o leitor com cada vez mais raiva ao longo de 200 páginas. Isso se deve principalmente ao fato de Galera inserir diagnósticos do presente a cada três páginas, assim como um niilismo tornado um pouco agradável e deixando suas personagens remoendo críticas culturais sozinhos.
Fazendo isso, eles usam uma linguagem que, em muitas partes, não consegue se decidir se adota um tom de seminário introdutório, se se rebaixa às depressões de uma literatura barata ("Dá vontade de morder seu pescoço", "Que dia para o meu pênis"), ou se enxerta esse tipo de nebulosidade onde quer que elas caibam: "De tempos em tempos o meu útero aspirado assomava à consciência e gania para mim como um cão se recuperando de uma cirurgia [..]".
O gênio de Duke, um murmúrio permanente em torno do romance, não passa de uma afirmação. O leitor descobre livros remotos e nem tão remotos que ele teria lido enquanto se preocupa com a sensação de haver alguma coisa que passou despercebida entre as mais supérfluas teses sobre a atualidade que são difundidas continuamente no texto. "Trovejou em algum lugar", lê-se em alguma parte do livro. E, possivelmente, a irritante indecisão desse livro não poderia ser melhor resumida.
RK/ots
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