Entre 1945 e 1990
A maioria dos filmes alemães produzidos imediatamente após o fim da Segunda Guerra Mundial manteve a linha conservadora – e reacionária – da cinematografia do Terceiro Reich, reafirmando valores morais e crenças políticas do período anterior.
O público, por sua vez, manifestou predileção por assuntos leves e despretensiosos, preferindo ignorar os temas do presente e esquecer os traumas da guerra recentemente encerrada. A reconstrução do país – e com ela a da indústria do cinema – fez com que o terreno ficasse ainda mais fértil para que os filmes de entretenimento predominassem no país.
Para suprir a enorme demanda interna, o número de salas de cinema na Alemanha passou de mil (1945) para 3 mil (em fins da década de 1940). Enquanto filmes populares mantinham-se como os preferidos do gosto popular no resto do país, Berlim, seguindo a tradição cosmopolita, ainda era uma exceção aberta a outras filmografias.
A ausência de uma perspectiva crítica no cinema do pós-guerra levou os precursores do que posteriormente seria chamado Novo Cinema Alemão a publicar, em 1962, o Manifesto de Oberhausen.
O objetivo: recriar a cinematografia do país a partir do zero. Pode-se dizer que somente décadas após o fim da guerra é que se pôde, enfim, observar no país discussões substanciais sobre os traumas do passado nazista (Vergangenheitsbewältigung).
Mesmo antes da construção do Muro de Berlim, a divisão da Alemanha já fez com que se pudesse observar duas cinematografias distintas – uma presente no lado ocidental capitalista, a outra no oriental comunista.
Alemanha Oriental: a Defa do comunismo (1962–1989)
Enquanto a Alemanha Ocidental diversificava aos poucos sua cinematografia, o setor era na República Democrática Alemã (RDA), de regime comunista, completamente controlado pelo Estado. A Defa (Deutsche Film AG) havia sido criada em 1946, ainda com o propósito de unir a produção cinematográfica do país dividido, inspirando-se nas melhores intenções democráticas e antifascistas.
Em 1953, contudo, a Defa passou às mãos do Estado, tornando-se a única companhia de cinema da RDA, tendo produzido mais de 50 filmes por ano na década de 70 e deixando um saldo de mais de 700 títulos em quase meio século de existência.
Filmes "antifascistas"
Nos anos 1960, certos diretores começaram a esboçar críticas em relação ao real socialismo, afastando-se, mesmo que discretamente, da linha ideológica imposta pelo partido único SED.
Uma das formas escolhidas por estes cineastas para escapar do controle oficial foram os filmes "antifascistas", que trabalhavam aspectos da história alemã apropriando-se da única opção viável de trabalho disponível para diretores impedidos de levar temas atuais às telas.
Assim como o cinema no Terceiro Reich, a produção na RDA, aliada à única facção política do país, suscitava discussões sobre a autonomia de um filme produzido sob os auspícios do Estado.
Por isso, as produções da Defa mantiveram-se praticamente ausentes do mercado internacional, tendo sido destinadas basicamente aos espectadores de dentro do país, onde se procurava desviar a atenção de temas de teor político, voltando os olhos da população para conflitos de ordem privada. Dispondo de excelentes estúdios e boas condições de trabalho, os diretores da Defa tinham, em princípio, um único problema: a proximidade do poder.
Leste Europeu
Durante os anos 60, o cinema da Alemanha Oriental ocupou então uma posição intermediária entre as cinematografias da Europa Ocidental e do Leste Europeu. Alguns cineastas sofreram influências visíveis da Nouvelle Vague francesa e do British New Cinema, fazendo surgir no país a consciência do papel social desempenhado pelo cinema.
O acesso à cinematografia do Leste Europeu no país foi também fundamental para alguns diretores, que receberam influências, entre outros, do russo Andrei Tarkovski e de uma então nova geração de cineastas tchecos e poloneses, entre eles Andrzej Wajda e Milos Forman.
Alguns filmes produzidos pela Defa foram até mesmo retirados do mercado e poucos tornaram-se grandes sucessos de público – entre estes está a exceção A Lenda de Paulo e Paula (1973), de Heiner Carow. Após a reunificação alemã, em 1990, a Defa encerrou suas produções.
Seus estúdios em Babelsberg, nos arredores de Berlim, transformaram-se em um centro de produção de mídia voltado para o mercado europeu e destinado, entre outros, a co-produções para a televisão.
Alemanha Ocidental: Novo Cinema Alemão e anos 80 (1962–1989)
A crítica à cinematografia dos anos 1950 – que havia se voltado para o entretenimento fácil, direcionado para as massas – serviu de bandeira para o que posteriormente veio a ser conhecido como Neuer Deutscher Film (Novo Cinema Alemão). O chamado Manifesto de Oberhausen, publicado a 28 de fevereiro de 1962, marcou o início de uma nova era na cinematografia da Alemanha Ocidental.
"O cinema antigo está morto. Acreditamos em um novo", ditava o documento assinado por 26 cineastas e encabeçado por Edgar Reitz e Alexander Kluge. Entre outros, o Manifesto explicitava uma crítica às formas narrativas tradicionais e tentava delinear um futuro melhor para o cinema alemão, através da reivindicação de fomento financeiro para o setor.
Mais centrado em questões de ordem prática e institucional do que em preceitos estéticos, o Manifesto tentava estabelecer no país um Cinema Jovem Alemão, aliando o filme de arte a premissas de cunho social.
Reconhecimento internacional
Uma leva de cineastas fez então com que o cinema nacional se tornasse conhecido internacionalmente. Através de nomes como Rainer Werner Fassbinder, Werner Herzog, Wim Wenders e Volker Schlöndorff, surgia dentro das fronteiras do país o chamado Autorenkino (cinema de autor).
Flertando às vezes com a Nouvelle Vague francesa e demonstrando simpatia com as causas defendidas nos protestos estudantis de 1968, os filmes destes diretores abordavam com freqüência temas como conflito de gerações, revolução sexual, emancipação feminina e as amarras da estrutura familiar alemã.
Em pouco tempo, os nomes destes diretores tornaram-se conhecidos e celebrados principalmente além das fronteiras do país, especialmente nos EUA e na França. É interessante notar que o Novo Cinema Alemão passou, a partir de meados da década de 70, a ser visto internacionalmente como uma alternativa a Hollywood, enquanto dentro da Alemanha esses diretores eram vistos em parte como arrogantes e pretensiosos.
Apesar de uma maioria de cineastas do sexo masculino, algumas mulheres também se destacaram neste cenário: Helma Sanders-Brahms, Ulricke Ottinger, Margarethe von Trotta, Jutta Brückner e posteriormente Doris Dörrie, nos anos 80, são algumas delas.
O legado de Fassbinder
A obra de Rainer Werner Fassbinder, entretanto, foi a que mais marcou o período. Seu enorme potencial criativo – 33 filmes em 14 anos – com os excessos melodramáticos aliados à ironia, a estilização dos personagens e as discussões exacerbadas sobre relações de poder e violência tornaram-se um capítulo à parte na história do cinema alemão.
Entre outros filmes de Fassbinder que tocavam diretamente nas feridas da sociedade do país, destaca-se O Desespero de Veronika Voss, que levou o Urso de Ouro do Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale) em 1982.
Além de Fassbinder, Wim Wenders também tornava-se internacionalmente conhecido através de seus road movies, como Alice nas Cidades (1973), Paris, Texas (1984) e Estado das Coisas (1982).
Em 1987, Asas do Desejo (cujo título original é Ein Himmel über Berlin – Um Céu Sobre Berlim) é extremamente celebrado fora do país – inclusive no Brasil – contando, no entanto, com certa resistência dentro da própria Alemanha em função do "estetizar excessivo" do filme .
A partir dos anos 80, principalmente após a morte de Fassbinder em 1982, registra-se o declínio do Novo Cinema Alemão, cujo desaparecimento foi gradualmente favorecido pela passagem do poder aos conservadores no país.
Começou, então, um namoro entre o cinema e a tevê e com isso a busca de um número maior de espectadores. Para fazer crescer a audiência, são utilizados os mais variados mecanismos, até mesmo a transformação do Holocausto da Segunda Guerra Mundial em melodrama familiar.
Na década de 80, o veterano Alexander Kluge continuaria a lutar pela introdução de uma cota de documentários no esquema de produções para televisão. Seus argumentos: o cinema não poderia ser enquadrado única e exclusivamente no filão da "arte pura", nem relegado à gaveta do mero entretenimento. Continuava aí um debate iniciado anteriormente, que dividia o cinema entre "comercial", de um lado, e "de autor", do outro.
O "cinema reunificado"
A queda do Muro de Berlim, a 9 de novembro de 1989, provocou um retorno inesperado do "cinema popular", caracterizado pelo domínio de formas de narração clássica, em analogia ao ocorrido no período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial. Uma nova geração de cineastas rejeitava quaisquer ambições políticas ou sociais, exprimindo um claro "não" ao cinema de autor dos anos 70-80.
A participação do capital privado na produção e a cooperação com distribuidores norte-americanos levaram à formação de um novo perfil da cinematografia nacional: uma espécie de acordo tácito entre o cinema como arte e como produto comercial. Uma clara adesão às grandes salas multiplex passou a atrair um número cada vez maior de espectadores aos cinemas, nivelando assim o gosto popular e encolhendo o espaço destinado aos filmes "de arte".