O difícil diálogo das culturas
13 de outubro de 2002Em quatro painéis os participantes discutiram sobre valores globais e identidade cultural, sobre biotecnologia e o papel da literatura em um mundo dividido. De cada painel participaram pessoas de diferentes procedências e atuando nas áreas mais distintas. Assim, estiveram reunidos autoridades eclesiásticas e cientistas políticos, escritores e banqueiros, filósofos e especialistas em engenharia genética, da mesma forma que europeus e americanos, judeus e muçulmanos, representantes das nações industrializadas e do chamado terceiro mundo.
Debate que debate e o mundo continua girando
Por mais que isso parecesse muito interessante no programa, não chegou a haver um verdadeiro debate, como se o diálogo entre as culturas não quisesse dar a partida. Também, não é de se admirar, tendo em vista que cada um lia, primeiramente, o que queria expor. Muitas colocações usaram e abusaram de frases como "nada vai mudar até que..." e "o que precisamos fazer é...".No final todos estavam de acordo, o que pode haver decepcionado quem pagou 100 euros de entrada para ver de perto a crítica da globalização, a canadense Naomi Klein, o político verde Daniel Cohn-Bendit e o escritor israelense Amos Oz, entre outros.
A sensação que tiveram alguns jornalistas foi de que nem mesmo os participantes em sua íntegra consideram ideal a forma de discussão. "O problema que eu vejo em participar de fóruns como este " - confessou o cientista político norte-americano Benjamin Barber, "é que nós, que aqui conversamos e debatemos, estamos todos de acordo, enquanto o público aplaude e, lá fora, o mundo continua rodando como antes" - um resumo tão lapidar quanto lacônico.
Consenso: não à guerra contra o Iraque e ao neoliberalismo
De um modo geral houve unanimidade quanto a se repudiar um "golpe preventivo" contra o Iraque ou qualquer iniciativa isolada dos EUA. Acordo também houve contra o neoliberalismo na economia. Palavras bonitas o mundo já ouviu muitas, por último no encontro de cúpula sobre meio ambiente em Joanesburgo. Mas a que se deve o fato de tão pouco ter sido colocado em prática?
Para o escritor britânico Tariq Ali, o germe do mal é o enfraquecimento dos Estados através do neoliberalismo. Assim, a África não receberá recursos para cuidar seus doentes de Aids porque isso não tange nenhum interesse econômico. Mats Karlsson, vice-presidente do Banco Mundial tenta conversar a platéia de que sua organização pelo menos se afastou do neoliberalismo, concentrando-se agora em combater a pobreza.
E o professor Benjamin Barber lembra que quase tudo, nesse meio tempo, já foi globalizado: os mercados, o terrorismo, as enfermidades. Só a democracia não acompanhou a tendência. "Precisamos de formas de democracia global. Precisamos assumir a responsabilidade e construir essa democracia, não apenas com órgãos formais e oficiais, mas contando com o público mundial, com as sociedades civis globais, instituições e ONGs mundiais como prenúncio de uma cidadania mundial", diz o cientista político.
O escritor israelense Amos Oz fez um apelo contra o fanatismo. "A fome, a pobreza, o fanatismo e a violência dizem respeito a todos nós", afirmou. O que o mundo precisa é de solidariedade, fairness e a capacidade de colocar-se na situação do outro. O egoísmo teria se transformado, em muitos países, na nova religião.
Crianças são o futuro
A diretora executiva do Unicef, Carol Bellamy, exigiu que se coloque as crianças no centro do debate sobre as conseqüências da globalização. "As crianças são o nosso futuro", disse. Não há melhor chance de mudar o mundo do que possibilitar às crianças uma vida digna. Não se pode admitir que milhões e milhões cresçam em meio à pobreza e a doenças.
O escritor nigeriano Chinua Achebe, que recebeu no domingo (13/10) o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão, apresentou uma nova série de livros do Unicef, em que autores famosos abordam a situação das crianças no mundo. Achebe coordena a série, intitulada "Nosso futuro comum", juntamente com a escritora norte-americana Toni Morrisson, Prêmio Nobel de Literatura.