O dilema dos acadêmicos turcos no exterior
1 de agosto de 2016Após a tentativa fracassada de golpe militar na Turquia no início de julho, o presidente Recep Tayyip Erdogan decretou estado de emergência e começou uma repressão, em todos os âmbitos, contra supostos inimigos. Além de prender milhares de cidadãos e militares, e demitir quase 3 mil juízes, ele começou a mirar a comunidade acadêmica dentro e fora do país.
Até agora, ele ordenou o fechamento de mais de 1 mil escolas particulares, demitiu 15 mil funcionários do Ministério da Educação e exortou quase 1.600 reitores de universidades a renunciar. Erdogan proibiu também viagens de acadêmicos turcos ao exterior, e os que já estiverem no estrangeiro deverão retornar ao país o mais rápido possível.
Segundo Thomas Zettler, do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD), o decreto do Conselho de Educação Superior da Turquia não está mais vigente, e que cada reitor pode decidir agora se convoca a volta de seus professores e alunos.
Mas o fato é que muitas universidades do país estão exatamente pedindo o retorno deles – e estão, portanto, colocando vários acadêmicos turcos em situação difícil.
"É claro que estas pessoas são movidas por pensamentos sobre suas famílias que ainda estão na Turquia", afirma Mahir Tokatli, um estudante de doutorado no Instituto de Ciência Política e Sociologia na Universidade de Bonn. "Você não deve esquecer que a Turquia é o lar deles. E se não aceitam o pedido, eles serão ameaçados com demissões e sanções."
"Limpando" opositores
É por isso que alguns acadêmicos turcos já retornaram ou estão a caminho, ainda que sob o risco de enfrentar consequências graves: Erdogan tem caçado professores e pesquisadores supostamente por apoiarem Fethullah Gülen, que segundo o governo é o mentor da tentativa de golpe.
"Na Turquia, eles tentam atualmente remover o movimento Gülen de todas as estruturas estatais", diz Tokatli. "Mas não se trata somente de acadêmicos que são suspeitos de colaborar com Gülen. O governo está pedindo o retorno à Turquia de todos os jornalistas e acadêmicos críticos do regime usando o pretexto de combater o movimento Gülen."
Voltar para a Turquia pode ter um preço alto, já que Erdogan não é conhecido por tratar seus críticos de forma gentil. Pesquisadores que não apoiam o presidente pode, por exemplo, ser proibidos de publicar artigos e estudos, o que, basicamente, equivale à sentença de morte no mundo acadêmico. Eles podem perder o emprego após o retorno ou, pior ainda, enfrentar um processo criminal.
Ignorar a convocação, perder o emprego e colocar em perigo a família na Turquia? Ou retornar e enfrentar riscos desconhecidos? É uma escolha quase impossível de se fazer. Ao menos um dos acadêmicos turcos que trabalham na Universidade de Bonn já foi para casa, enquanto dois outros estudantes que também foram convocados ainda avaliam sua decisão.
Cooperação internacional em jogo
"É muito difícil dar um conselho para eles", afirma Andreas Archut, assessor de imprensa da Universidade de Bonn. "Há muita coisa em jogo. Eles arriscam a posição perante a universidade ao retornar ao seu país, então não podemos realmente aconselhá-los a não seguir a convocação. Nós estamos tentando dar conselhos, mas não podemos tomar a decisão por eles."
Archut diz que não poderia colocar a DW em contato com as partes envolvidas, uma vez que os acadêmicos estão preocupados com sua segurança e têm dificuldades de revelar o que sentem para a universidade, para não mencionar a imprensa.
A convocação de professores turcos e de alguns estudantes para retornar à Turquia é especialmente preocupante, uma vez que a cooperação internacional é uma parte vital do progresso científico.
"A ciência está no centro de um processo internacional", afirma Archut. "Intercâmbio e mobilidade são obrigatórios para o processo de trabalho científico e, portanto, nós estamos muito preocupados com o que está acontecendo neste momento na Turquia."
Já Tokatli não está apenas preocupado, mas também irritado. "É escandaloso que a Turquia se atreva a convocar desta forma o retorno de acadêmicos turcos que vivem e trabalham na Alemanha", afirma. "A ciência prospera em liberdade. E, com isso, o governo turco restringe significativamente a liberdade de pensamento."