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Literatura

O fenômeno literário Geovani Martins

Martina Farmbauer lpf
4 de abril de 2019

Com seus contos em torno do universo da favela, jovem escritor carioca conquista leitores no Brasil e no exterior. Seu livro "O Sol na cabeça" chega agora às livrarias alemãs.

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Geovani Martins
Geovani Martins nasceu em Bangu, no Rio de Janeiro, em 1991Foto: Luciana Serra

Antes mesmo de ser publicado no Brasil, o livro de Geovani Martins já havia tido seus direitos vendidos em nove países, entre eles a Alemanha. Na próxima segunda-feira (08/04), a versão em alemão de O Sol na Cabeça, da editora Suhrkamp, chega às livrarias do país europeu.

O pontapé inicial da carreira de Martins, de 27 anos, aconteceu na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) de 2017. Foi lá que ele conheceu o escritor Antonio Prata, que recomendou os textos do novato à Companhia das Letras. No ano seguinte, a editora publicou O Sol na Cabeça, coletânea de 13 contos.

Da sala da casa de Martins vê-se o Morro do Vidigal, que serve de pano de fundo para seus textos. O jovem autor traz uma perspectiva incomum sobre o universo da favela, da violência e das drogas.

"Incomoda-me fingir que isso só existe nas favelas. Tráfico e consumo de drogas e assassinatos existem por toda parte", diz Martins.

Os textos dele abordam família, amizade, relações humanas. Vários personagens vêm da favela, e muitas das narrativas se passam nesse cenário. O conto de abertura do livro, Rolézim, fala sobre o que pode acontecer quando a praia fica lotada, e Roleta Russa sobre uma criança que brinca com uma arma. Martins também descreve como um menino negro se sente quando um homem tem medo dele numa parada de ônibus.

Martins fala sobre preconceitos e contrastes do Rio de Janeiro – entre brancos e negros, ricos e pobres, morro e asfalto –, os quais ele mesmo reflete. Como morador da favela, ele conseguiu ascender socialmente, mas ainda enfrenta preconceitos. Ele conta que, certo dia, logo após receber uma boa remuneração por seu trabalho literário, abordou uma pessoa na rua para fazer uma pergunta e ouviu como resposta: "Não tenho trocado."

"O preconceito em relação à linguagem é uma das principais formas de racismo", afirma Martins, apontando que o sotaque a escolha de palavras logo revelam de onde e de que classe social uma pessoa vem.

O Sol na cabeça já começa cheio de gírias, com uma linguagem bem coloquial: "Acordei tava ligado o maçarico! Sem neurose, não era nem nove da manhã e a minha caxanga parecia que tava derretendo. Não dava nem mais pra ver as infiltração na sala, tava tudo seco. Só ficou as mancha: a santa, a pistola e o dinossauro. Já tava dado que o dia ia ser daqueles que tu anda na rua e vê o céu todo embaçado, tudo se mexendo que nem alucinação. Pra tu ter uma ideia, até o vento que vinha do ventilador era quente, que nem o bafo do capeta", diz o primeiro parágrafo do livro.

A obra mistura a linguagem da favela com a norma culta, à qual, segundo Martins, os moradores do morro têm acesso por meio da TV Globo e da Netflix.

No lançamento do livro, no Leblon, surgiu uma discussão sobre politicamente correto e o uso dos termos favela ou comunidade. "Eu moro numa favela. Nós todos pertencemos a uma comunidade", disse.

Martins estudou só até a oitava série e compensou a falta de educação formal com sensibilidade e curiosidade pelo mundo à sua volta. Em um de seus empregos, como "homem-placa", ele percorria Copacabana de cabo a rabo carregando a foto de um político, com o sol rachando a cabeça. Até que o partido decidiu deixá-lo plantado ao lado de uma estação de metrô, dando-lhe tempo para ler enquanto segurava a placa.

Depois de escrever contos, esboçar um romance e participar de festivais e concursos literários, Martins voltou a morar com a mãe e lhe disse: "Quero escrever um livro, viver da escrita." Durante dois anos ele adotou uma rotina disciplinada, escrevendo até oito horas por dia.

Primeiro, ele faz anotações à mão num caderno, depois digita na máquina de escrever e, por último, no computador. Durante esse processo, ele vai adicionando detalhes e deixando trechos de fora.

Na parede de casa, há uma foto de Gabriel García Márquez, que Martins chama de "uma boa referência". O escritor colombiano era um mestre das crônicas, e os textos curtos muitas vezes davam origem a romances. Martins também voltou a trabalhar num romance depois de meses de muitos compromissos.

Ele se diz tímido, e conta que o sucesso do livro foi uma espécie de choque duplo. Quando escrevia os contos, só saía de casa nos fins de semana. Daí seu livro começou a vender bem, e ele foi aparecendo na mídia e chamando atenção internacionalmente, transformando-se num novo fenômeno da literatura brasileira. Uma nova realidade com a qual ainda está aprendendo a lidar.

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