Gringo funkeiro
18 de junho de 2011Festa é a palavra que define o trabalho de Daniel Haaksman. O DJ e produtor alemão foi o precursor na difusão do subestimado funk carioca pelo mundo afora, além de lançar a carreira internacional de DJs e MCs brasileiros com sua gravadora Man Recordings. Ele também batizou o gênero de "baile funk" no exterior e foi um dos responsáveis pela mistura com a música eletrônica e o hip hop.
Depois de mais de 15 anos lançando e produzindo faixas, Haaksman lança seu primeiro disco, chamado Rambazamba. O alemão mostra que, além de ritmos brasileiros, como funk, charme e techno brega, seu trabalho também traz elementos de música africana e cigana, mas sempre com uma batida forte e feita para a pista de dança.
O disco conta com a participação de diversos artistas, como a popular funkeira carioca Tati Quebra Barraco. A Deutsche Welle visitou a sede da gravadora Man Recordings e conversou com Haaksman sobre a ascensão e queda do funk e sua carreira.
Deutsche Welle: Como e quando você entrou em contato com o funk carioca?
Daniel Haaksman: O primeiro contato que eu tive com o gênero foi em 2003, quando um amigo voltou do Brasil e me trouxe alguns CDs. Ele me disse que essa era a música que as pessoas ouviam nas ruas do Rio de Janeiro. Pensei que seria algo como uma Bossa Nova eletrônica. Fiquei muito empolgado com as batidas e samples quando ouvi os CDs.
Você já era DJ? O que você costumava tocar?
Nessa época estava em crise com minha carreira de DJ. Tocava muito hip hop, downtempo, trip hop. Música para dançar, exceto house e techno, que era o que dominava nas pistas na Alemanha. Estava entediado com o que era produzido na Europa e nos Estados Unidos. Foi uma revolução ouvir algo novo e cheio de energia, que soava como nada que se produzia por aqui.
Como foi começar a tocar funk carioca na Alemanha?
A resposta foi muito rápida e positiva. Na época tentei conseguir mais CDs e informações sobre o estilo e a cena, mas era impossível. Não havia nada escrito sobre o assunto em inglês e era impossível comprar ou baixar faixas na internet. Resolvi então ir até o Rio para ver aquilo de perto. Comprei muitos CDs e visitei alguns bailes. Quando voltei para a Europa, selecionei as músicas para a minha primeira compilação, Baile Funk Favela Booty Beats. O disco teve uma repercussão impressionante na mídia.
Esse foi o primeiro disco do gênero lançado fora do Brasil?
Sim, mas no mesmo período dois outros discos foram lançados na Inglaterra, este compilado pela dupla Tetine, e nos Estados Unidos, pelo DJ Diplo. No ano seguinte Diplo produziu M.I.A e o ritmo se popularizou ainda mais.
Como foi o seu contato com a cena no Rio?
No começo foi difícil. Eu era apenas um gringo que frequentava os bailes. Comecei a conhecer os MCs e DJs, que começaram a me dar CDs. Quando a coletânea recebeu atenção da imprensa internacional, eles começaram a perceber que o contato com o gringo poderia ser bom para eles. A mídia no Brasil considera o gênero um lixo e digno de nenhuma atenção. Ninguém levava eles a sério, mas quando importantes jornais alemães escrevem sobre o gênero as coisas mudam. Para nós estrangeiros é mais fácil apreciar a música e as batidas porque não entendemos as letras. Quando você conhece as diferenças entre a favela e os asfalto, você descobre que essa relação é ainda mais complexa. Em 2005 eu abri a gravadora Man Recordings e comecei a gravar e lançar alguns desses artistas em vinil, com boa qualidade. Coloquei o funk em um contexto diferente. No começo era impossível tocar um set inteiro com funk carioca, foi preciso construir algumas conexões com a música eletrônica para fazer isso possível.
Essa é a diferença entre funk carioca e baile funk (nome como o gênero e conhecido fora do Brasil)?
Quando conheci o gênero eu não sabia o significado da palavra carioca. Estava procurando o nome para a minha primeira compilação e baile funk me pareceu um nome de fácil compreensão para pessoas aqui na Europa. Criei o termo meio que por acidente e pegou.
Você já era fã de música brasileira?
Meu pai ouvia muita bossa nova. Eu sempre gostei do som do português falado no Brasil, mesmo sem entender uma palavra. A música brasileira é a world music por excelência, pois tem tantas influências diferentes, de música árabe e africana à música folclórica europeia. Muitos elementos diferentes, como o baile funk.
Existe uma relação entre o samba e o funk carioca?
Com certeza. Eles são feitos e tocados de maneiras diferentes, mas ambos têm muita energia. O poder da percussão também é muito forte nos dois gêneros. O funk carioca é o filho bastardo do samba.
Por que os brasileiros desprezam o potencial do gênero?
Para eles funk é música de pobre, feita de uma maneira muito simples, sem conhecimento musical e gravada de uma maneira caseira. A música no Brasil tem uma história muito rica. Nesse contexto o funk é muito simples. Acho que as letras também são responsáveis por isso. Se eu entendesse o que eles cantam talvez tivesse escolhido outras faixas para as minhas compilações. Acho que quando descontextualizamos as coisas podemos ter uma outra perspectiva. Isso aconteceu aqui na Alemanha com o Krautrock, que ganhou seu reconhecimento fora do país para depois ser considerado relevante por aqui. A energia do funk tinha o potencial para criar algo novo, mas hoje acredito que o gênero está em crise.
O que está acontecendo na cena?
O funk carioca sempre teve seus altos e baixos, acredito que a última onda criativa aconteceu por volta de 2003, quando lancei minha primeira compilação. Depois disso os artistas começaram a usar os mesmos samples. Aqui na Europa as pessoas não entendem o que eles cantam, mas reconhecem os samples. Essa mistura atrai muita atenção. Mas de repente eles começaram a usar sempre os mesmo samples, elementos e melodias. A cena do funk do Rio não está muito interessada em expandir geográfica e criativamente o que eles produzem. São muito fechados. Muitos artistas têm convites para tocar no exterior, mas para os empresários é mais lucrativo se eles tocarem apenas no Rio. A cena é controlada pelo DJ Marlboro, que tem ótimos produtores, mas acaba lançando apenas as coisas mais populares, com ritmos mais agradáveis, como o charme, que não é bem visto fora do Rio e não é interessante para as pessoas aqui na Europa. Infelizmente acho que o funk perdeu sua chance. O ritmo estava em todo o mundo e as pessoas estavam interessadas, mas a cena no Brasil não se desenvolveu.
Por que isso aconteceu?
Acho que o problema também é social e cultural. Existes fronteiras que esses artistas não conseguem cruzar. Eu viajei muito com a Deize Tigrona e percebi que ela nunca estava confortável fora do Brasil, num ambiente onde ela não entendia a língua, cercada de brancos de classe média, com um conhecimento e entendimento musical totalmente diferente do dela. Para eles a música era passatempo e diversão; para ela, uma forma de sobrevivência. Convidei ela muitas vezes, mas sempre havia problemas. Tive que aceitar que ela vem de uma realidade completamente diferente da minha. Ela se sentia desconfortável e deslocada. A mesma coisa aconteceu com a Tati Quebra Barraco quando ela esteve aqui em Berlim.
Por que só agora você resolveu lançar o seu álbum?
Achei que era o próximo passo depois de lançar alguns EPs. O disco é uma vitrine mais ampla do meu trabalho e o formato recebe mais atenção da mídia e um maior reconhecimento. Como tenho minha própria gravadora, eu havia produzido muitas faixas que nunca tinha lançado. O disco é uma mistura dessas faixas com as melhores músicas dos meus EPs.
Como foi o processo de composição?
Fiz umas 30 músicas nos últimos três anos. Rambazamba é o melhor dessas faixas. Eu não queria ser o gringo do funk o tempo todo. Apesar da estética do funk está presente no álbum eu queria mostrar outros ritmos e referências como balkan beats, música cigana e africana, kuduro e techno brega. Assim como os meus sets como DJ, o disco é uma mistura de gêneros.
Como você relaciona o funk carioca e o techno brega?
Ambos são feitos com base de samples e soam muito simples para os ouvidos europeus. Gosto da melodia do techno brega porque é muito pop. Eles não têm medo de ser brega e fazer ótimas melodias.
O que quer dizer Rambazamba?
Era um termo muito usado aqui na Alemanha. Quando uma festa está muito boa e animada você diz que está rambazamba. Nos anos 70 e 80 haviam essas compilações com músicas para festas que tinha o mesmo nome. Achei o nome apropriado porque eu nunca quis fazer música séria e sim música para festa, que faz as pessoas dançarem. Ninguém sabe muito bem a origem da expressão. Pode ser uma mistura de rumba e samba ou alguém que tentou dizer caramba e acabou virando rambazamba. O aspecto de festa da palavra combina muito com o meu disco.
Autor: Marco Sanchez
Revisão: Alexandre Schossler