O giro ideológico internacional de Bolsonaro
18 de março de 2019Pouco menos de dois meses depois da sua primeira viagem ao exterior, o presidente Jair Bolsonaro realiza um novo giro internacional. Desta vez, alguns dos destinos incluem palcos ideologicamente afinados com as posições do chefe de Estado brasileiro: Estados Unidos e Israel.
As viagens devem contrastar com a estada em Davos na Suíça, na qual o estilo populista de Bolsonaro e falta de uma agenda clara provocaram consternação entre vários participantes do Fórum Econômico Mundial. Desta vez, o presidente dos EUA, Donald Trump, e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, desejam saudar exatamente a visão radical do líder brasileiro e fortalecer uma comunhão ultraconservadora internacional.
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Em 2017, Bolsonaro já havia saudado Trump como exemplo. O americano, por sua vez, chamou em janeiro o brasileiro de "grande novo líder". Um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), chegou a usar um boné com a frase "Trump 2020" durante uma visita aos EUA em novembro, explicitando ainda mais a simpatia da família pelo "trumpismo".
Já Netanyahu chegou a chamar Bolsonaro de "mito" durante a estada no Rio de Janeiro que precedeu a posse do mandatário brasileiro, que – ele mesmo evangélico – compartilha da afinidade de parte dos evangélicos brasileiros com Israel.
Bolsonaro embarcou para os Estados Unidos neste domingo (17/03). A viagem marca um rompimento de uma tradição diplomática do Brasil nas últimas três décadas. Ele é o primeiro presidente da Nova República a optar por fazer sua primeira viagem oficial aos EUA e não à Argentina.
Seu encontro com Trump está marcado para esta terça-feira na Casa Branca. Na pauta de reunião estão previstas discussões sobre a crise na Venezuela e a negociação de acordos de comércio e investimentos e de intercâmbio militar.
Já a visita a Israel está prevista para ocorrer no fim do mês. Entre as duas viagens, Bolsonaro deverá fazer uma visita ao Chile. Bolsonaro não tem tanto em comum com o presidente chileno, Sebastián Piñera, mas o ex-militar e sua equipe econômica veem o país sul-americano como exemplo por causa das reformas executadas pelo ex-ditador Augusto Pinochet nas décadas de 1970 e 1980.
Apesar da pompa com que as viagens foram anunciadas, Bolsonaro vai visitar seus novos parceiros dos EUA e Israel em um momento delicado. Tanto Trump quanto Netanyahu vêm enfrentando há meses dificuldades políticas internas e problemas legais.
Os problemas de Trump, que diariamente aparecem na imprensa americana, incluem a investigação para apurar uma possível interferência da Rússia nas eleições de 2016 e a possível participação da campanha do republicano num conluio com os russos, suspeitas de fraude envolvendo empreendimentos da Organização Trump e doações, além do pagamento de subornos pelo silêncio de mulheres com quem o presidente teria se relacionado.
Na semana passada, Paul Manafort, ex-chefe da campanha de Trump, foi condenado pela segunda vez por fraude fiscal e bancária e conspiração. No início de março, ele já havia sido condenado por crimes financeiros por um tribunal da Virgínia. As penas de Manafort, que foi preso em 2017, já somam 90 meses de prisão. Ele não é o único ex-membro do círculo da campanha de Trump com problemas legais.
Em dezembro, o ex-advogado pessoal do presidente, Michael Cohen, já havia sido condenado a três anos de prisão por evasão fiscal, irregularidades no financiamento da campanha e por ter mentido perante um comitê de inteligência do Senado sobre negócios de Trump na Rússia. No final de fevereiro, Cohen também prestou depoimento ao Congresso. Na ocasião, chamou Trump de "racista", "mentiroso" e "vigarista".
Em novembro, será a vez do julgamento de Roger Stone, um conselheiro de longa data de Trump, que é acusado de ter mentido sobre seus esforços para contatar o Wikileaks, o site do ativista australiano Julian Assange, que durante as eleições vazou mensagens de membros do Comitê Nacional Democrata, prejudicando a campanha de Hillary Clinton. O novo julgamento deve manter os holofotes em Trump, que já classificou as investigações como "caça às bruxas".
Além dos problemas legais, Trump também vem entrando em choque repetidamente com o Congresso. Na semana passada, a oposição democrata, junto com alguns senadores republicanos insatisfeitos com Trump, conseguiu derrubar um decreto de emergência nacional do presidente que previa a realocação de recursos federais para a construção do muro na fronteira com o México. Trump acabou vetando a resolução que derrubou o decreto, usando pela primeira vez essa prerrogativa em seu governo.
Já Netanyahu enfrenta em Israel uma série de acusações de corrupção e tem uma eleição acirrada pela frente, que vai ocorrer poucos dias depois da viagem de Bolsonaro. No final de fevereiro, o procurador-geral de Israel, Avichai Mandelblit, anunciou que pretende apresentar denúncia criminal contra o premiê.
No momento, Netanyahu é alvo de três investigações. Uma delas envolve a empresa de telecomunicações Bezeq, a maior de Israel, suspeita de ter sido beneficiada pelo governo. Em troca, a empresa teria feito uma cobertura simpática ao primeiro-ministro no site de notícias de uma de suas subsidiárias.
Os dois outros casos envolvem acusações de que o premiê aceitou presentes de bilionários que somam quase 1 milhão de reais, como charutos e bebidas, e que beneficiou um jornal, mais uma vez em troca de cobertura favorável.
Quando visitou o Brasil no fim de dezembro, Netanyahu, que está no comando de Israel há dez anos, já enfrentava dificuldades, tendo sido forçado a antecipar para abril uma eleição geral originalmente prevista para novembro. E quando Bolsonaro tiver deixado Israel, os eleitores do país vão eleger a nova composição do parlamento local.
O principal adversário de Netanyahu é Benny Gantz, um ex-general que lidera o novato movimento Branco e Azul (em referência às cores da bandeira israelense). Pesquisas apontam que o movimento deve conquistar cerca de 30 cadeiras no parlamento, a maior fatia entre todos os partidos israelenses.
Por enquanto, as pesquisas também indicam que a coalizão de Netanyahu, que inclui cinco partidos, ainda deve manter uma maioria frágil no parlamento, pouco acima de 60 das 120 vagas.
Nos últimos dias, a revelação de que o Irã, um dos principais inimigos de Israel, teria conseguido invadir o telefone celular de Gantz foi encarada como benéfica para Netanyahu, mas a imprensa israelense especula que um eventual anúncio da apresentação da denúncia criminal pelo procurador-geral antes das eleições possa novamente colocar a pequena vantagem do premiê em risco.
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