O mau, o errado e o feio
30 de abril de 2007Freqüentemente festejado como "o avô das histórias em quadrinhos", Wilhelm Busch (1832-1908) é referência básica na Alemanha. A irreverência de suas histórias, seus desenhos grotescos, seu humor negro e os macabros anti-heróis fascinam e povoam a imaginação dos leitores até hoje.
Os personagens mais conhecidos de Busch são Max e Moritz (traduzidos no Brasil por Olavo Bilac como Juca e Chico), dois garotos travessos que azucrinam a vida dos adultos à sua volta, até serem tragicamente punidos, jogados em sacos de cereais, triturados num moinho e servidos como comida aos patos.
Max e Moritz serviram de influência direta para Rudolph Dirk, criador da série The Katzenjammer Kids, também conhecida como The Captain and the Kids e traduzida no Brasil como Os Sobrinhos do Capitão,considerada a mais antiga tira em quadrinhos ainda publicada.
Neste ano, o poeta, satírico e caricaturista Wilhelm Busch completaria seu 175º aniversário em 15 de abril. Para confirmar sua atualidade, a DW-WORLD conversou com o diretor do Museu Wilhelm Busch em Hannover.
DW-WORLD.DE: A que se deve a grande popularidade de Busch na Alemanha do fim do século 19?
Hans Joachim Neyer: Com seu jeito moderno, suas obras tinham algo de sensacional, algo pelo qual muitos representantes do clero se sentiam ofendidos. O problema é que Busch não aderia às normas estéticas clássicas, não escrevia sobre o verdadeiro, o belo e o bom, como o fizeram Goethe ou Lessing.
Ele foi na direção diametralmente oposta ao focar o mau, o errado e o feio. E era isso o que a nova classe média emergente em um mundo industrial e capitalista queria ler. Eles queriam personagens novas.
Max e Moritz são as personagens mais conhecidas de Busch. Eles se divertem um bocado, mas, no final, acabam sendo brutalmente punidos por suas travessuras. Na sua opinião, Busch usava a brutalidade como forma de moral ou instrumento pedagógico?
Todas as suas histórias terminam de maneira brutal, mas é exatamente isso que seus leitores mais apreciavam. Busch não era nem pastor, nem professor. Ele tinha que convencer as pessoas a comprar seus livros e o fez atendendo às suas necessidades.
Estamos falando de literatura popular: seus livros eram vendidos em estações ferroviárias. As pessoas tinham que optar se compravam um livro ou uma cerveja. E muitos preferiam comprar um livro, tanto que, no fim da vida, Busch estava milionário.
Busch é normalmente descrito como "o avô das histórias em quadrinhos" e, como tal, teve grande influência também fora da Alemanha.
Sim. Temos, aqui no museu, as edições originais da série The Katzenjammer Kids de Rudolph Dirk, cujas primeiras edições foram publicadas em 1897. O interessante é que, graças à significativa minoria de língua alemã nos Estados Unidos no começo do século 20, a série foi traduzida para o alemão e publicada nos EUA sob o título Max und Moritz até 1916.
Além disso, o escritor norte-americano Robin Allen, que pesquisou os arquivos dos estúdios Walt Disney, constatou que os primeiros desenhos de Mickey Mouse – Steamboat Willy e Plane Crazy – foram diretamente influenciados pelo estilo grotesco dos desenhos de Busch.
Havia algo de especialmente alemão no humor de Busch? Um pouco de schadenfreude [malícia, prazer pelo sofrimento alheio]?
A meu ver, os alemães são federalistas. Sempre fomos, acima de tudo, bávaros, prussianos etc. A Alemanha só se tornou um país unificado em 1871, em conseqüência à investida militar e expansionista da Prússia. De forma que eu não diria que havia uma espécie de senso de humor alemão naquela época.
Mas, se você pensar bem, a gemütlichkeit [aconchego, intimidade] alemã é a cultura biedermeier, que prevaleceu até cerca de 1850 até ser destruída, primeiro pelo boom industrial, depois pelo aumento do desemprego. A schadenfreude pode ser vista como uma reação à destruição dessa gemütlichkeit.
Você leu Busch quando criança e especializou-se em sua obra quando adulto. Como sua percepção mudou com o passar do tempo?
Tenho hoje 60 anos de idade. Nos anos 50, lia Busch com meus pais. Tínhamos um grande álbum de Busch – era o livro mais importante da casa, além da Bíblia. Lembro-me que ficava fascinado pela maneira como ele retratava a morte e pelas ambigüidades que deixava para o leitor resolver. A necessidade básica de deixar vazar a agressividade ainda está presente, talvez tenha até crescido.
Naquele tempo, quando não havia rádio ou televisão, os textos e desenhos de Busch, suas rimas e aliterações eram suficientes para soltar a imaginação. Hoje em dia, as crianças que jogam videogame só se satisfazem com sangue na tela do computador, o que, na minha opinião, é um tanto banal e pouco estimulante. Sem mencionar que videogames, ao contrário de livros, geram viciados.