O mundo com Trump como presidente
Aplaudida por populistas de direita, vista com receio por grandes líderes ocidentais, a surpreendente vitória de Donald Trump foi recebida nesta quarta-feira (09/11) como um terremoto político, capaz de mexer com o balanço de poder global e o papel americano.
Após a confirmação da vitória, Trump afirmou querer lidar de forma justa com a comunidade internacional. Mas o que significa isso? As afirmações explosivas do magnata durante a campanha, muitas em tom xenófobo e pondo em questão antigas alianças, deixaram muitos em pânico.
John Emerson, embaixador americano em Berlim, descreveu muito bem o que políticos de todo o mundo pensam no momento. De Trump, afirmou o diplomata durante um evento do Instituto Aspen, "não sabemos o que podemos esperar".
O embaixador, que deve agir politicamente com neutralidade, foi bem longe e acrescentou que, sob o milionário republicano, deve-se contar com uma política isolacionista em que os Estados Unidos se afastam do mundo.
O historiador britânico Simon Schama expressou mais concretamente a sua opinião na emissora BBC. Como, após a eleição, os republicanos vão controlar as duas câmaras do Congresso, muito poderá mudar radicalmente:
"A Otan estará sob pressão de desintegração, a proteção climática vai sofrer um retrocesso, a regulação bancária vai ser abolida. Devo prosseguir?"
Cooperação transatlântica
As afirmações de Trump deixaram muitos assustados, como seu elogio ao presidente russo, Vladimir Putin – um dos primeiros a exaltar sua vitória – em meio ao período de maior tensão entre Rússia e Ocidente desde a Guerra Fria. Também chamaram a atenção suas declarações depreciativas sobre a Otan.
Há dúvidas agora se a obrigação de assistência mútua entre os países da Otan ainda vai persistir sob o governo do novo presidente, depois de Trump ter insinuado que os EUA somente vão defender membros da Aliança Atlântica, como os Países Bálticos, se estes "cumprirem as suas obrigações" em relação aos EUA.
Levando em conta que a participação dos Estados Unidos nos gastos militares da Organização do Tratado do Atlântico Norte perfaz de 60% a 70% do total, essa é uma afirmação a ser levada a sério.
Trump disse também que ele iria aceitar, possivelmente, um rearmamento nuclear do Japão e da Coreia do Sul – uma quebra de tabus contra o princípio anterior de evitar, em todas as circunstâncias, uma nova proliferação nuclear; ele pretende renegociar o pacto nuclear com o Irã, pôr fim a diversos acordos comerciais e impor tarifas sobre as importações de produtos chineses ou mexicanos.
Algumas dessas observações podem ser somente burburinho de campanha eleitoral. No entanto, com um tom sarcástico, Niels Annen, porta-voz de política externa da bancada social-democrata no Parlamento alemão, disse não descartar: "Temos também de lidar com a possibilidade de que o que ele disse seja realmente a sua opinião."
Quanto à política de proteção do clima, Hans Joachim Schellnhuber, do Instituto de Potsdam para a Pesquisa do Impacto Climático, já fez deu veredicto: não se pode esperar "nenhuma ação positiva em questões climáticas" por parte de Washington. "O mundo deve agora avançar sem os EUA", afirmou.
O papel americano
O futuro papel dos EUA dentro – ou fora? – da Otan, aliado à admiração de Trump por Putin, talvez seja o motivo da maior preocupação, ao menos na Europa. Niels Annen apontou que, já sob o governo Obama, os europeus foram obrigados a assumir mais responsabilidades.
Segundo o político social-democrata, os tempos agora ficaram mais difíceis. Por sua vez, a ministra alemã da Defesa, Ursula von der Leyen, já questiona se a vitória de Trump vai significar o fim da Pax Americana, em alusão à Pax Romana, longo período de paz vivenciado durante a hegemonia do Império Romano.
Roland Freudenstein, do think tank Centro Martens de Bruxelas, especulou alguns dias atrás sobre o que uma possível vitória de Donald Trump significaria para a Otan:
"É claro que os assessores de Trump sabem sobre o medo dos parceiros dos americanos e exortariam o novo presidente, em primeiro lugar, a fazer com que todos esses aliados acreditassem que não haveria perigo nenhum: 'Não, os EUA não vão sair da Otan, como também não vão retirar o resto de suas tropas da Europa'. A única pergunta é quanto tempo o novo chefe vai manter esta postura."
Freudenstein acredita na realização, mais cedo ou mais tarde, de um encontro de cúpula com Putin. E então as "diferenças sobre a Ucrânia, Síria, etc. iriam se resolver rapidamente – até o ponto em que Trump venha a se sentir, de alguma forma, enganado por Putin."
Impresivibilidade
A relação dos EUA com a União Europeia (UE) deverá arrefecer amplamente, afirmou Janis Emmanouilis, do think tank Centro de Política Europeia, sediado em Bruxelas. Isso inclui também as relações comerciais. O planejado acordo de livre-comércio entre a UE e os EUA, a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), que já sofre pressão dentro da própria Europa, deverá ser "extremamente congelada" em sua forma atual, explicou Emmanoulidis.
O especialista disse ver também repercussões da vitória de Trump em nacionalistas europeus. Populistas de direita, como a francesa Marine Le Pen e o holandês Geert Wilders, parabenizaram entusiasticamente o novo presidente americano. "Aqueles à la Trump vivenciam agora uma ascensão", afirmou Emmanouilidis, acrescentando que vai ficar mais difícil fazer algo contra essa tendência.
Alguns na Europa procuram tirar algo de bom de uma má notícia para eles. Por exemplo, Manfred Weber, líder da bancada do conservador Partido Popular no Parlamento Europeu, entrega-se à autoconfiança europeia: "A mensagem é clara: agora tudo depende da Europa. Precisamos estar mais confiantes e assumir mais responsabilidades. Nós não sabemos o que podemos esperar dos Estados Unidos."
Alguns observadores americanos veem na incerteza sobre o futuro curso político da Casa Branca também o principal ponto fraco do novo governo.
"O maior perigo de uma presidência de Trump é a sua imprevisibilidade e a completa falta de estabilidade sentida por nossos aliados e opositores", advertiu Aaron David Miller, ex-negociador para o Oriente Médio tanto sob presidentes republicanos quanto democratas e hoje cientista político no Centro Internacional para Acadêmicos Woodrow Wilson em Washington.
Com palavras ainda mais claras, o ex-diretor da CIA John McLaughlin afirmou: "Se ele fizer tudo que prometeu, então podemos nos despedir do nosso papel de liderança global. Vamos esperar então que ele não o faça ou que alguém o convença do contrário."