O método "professor da família"
21 de novembro de 2016De volta ao local onde estudou, em Deputado Irapuan Pinheiro, Ceará, Aline Lopes Pinheiro diz que, agora, a escola se parece mais com aquela que sonhava na infância. A quadra coberta, as salas de leitura e de informática do centro de ensino Joaquim Napoleão, que frequentou até os 15 anos, são conquistas recentes.
Em 2002, quando era aluna do 3˚ ano do ensino fundamental, Aline escreveu uma carta ao prefeito pedindo melhorias na escola. Ao ler a exigência, ele respondeu ao vivo na rádio: "Escola do jeito que você pediu existe só no primeiro mundo", disse o prefeito, segundo as lembranças de Aline, hoje com 22 anos e prestes a concluir o curso de Física pela Universidade Estadual do Ceará.
A estrutura da Joaquim Napoleão melhorou, mas o motivo principal do orgulho é outro. Em todo o país, a escola obteve uma das maiores nota no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), um 8,5. Um feito de "primeiro mundo" na visão da mãe de Aline, Julia Lopes Pinheiro, professora do centro de ensino há 26 anos.
Em família
O prédio fica no distrito de Betânia, na zona rural, e recebe 343 alunos – a maioria vem de sítios distantes transportada em ônibus escolares. "Na minha época, o único jeito de ir para escola era de jumento, ou de bicicleta. Também não tinha merenda", comemora os avanços Rosana Gerusa Pinheiro Silva, funcionária da escola onde terminou o ensino fundamental em 1990.
Em Betânia, onde os moradores se reúnem para conversar nas calçadas no fim de tarde, todos têm uma ligação forte com a escola. Foi o avô de Germânia Mara Pinheiro, agente de saúde, que doou o terreno há 49 anos para a sua construção. "Ele queria que o povo daqui estudasse", relembra Germânia.
Mesmo em tempo de escassez de água, os poucos alimentos cultivados pelos pais dos estudantes viram merenda na escola. Ovos, galinha, poupa de frutas compõem a refeição preparada na cozinha recém reformada, onde as cozinheiras usam o mesmo uniforme que professores, gestores e zeladores. "Somos como uma família", explica Eugênia Maria, diretora.
Maria Livalda Pinheiro do Vale, aposentada, já foi aluna, professora e diretora da escola. Seu papel, hoje, se restringe a "mãe de aluno", diz. A filha, que está no 8˚ ano, sonha com a faculdade de Artes Cênicas. "Ela vai chegar lá. Eu sempre digo a ela: você pode chegar onde quiser saindo de uma escola pública", conta Maria Livalda.
Uma maratona escolar
Na região central de Deputado Irapuan Pinheiro, Francisco Edivan de Souza precisa vencer muitos quilômetros por dia para manter unida a escola Francisca Josué. Cerca de 900 metros separam os dois prédios com salas de aula do ensino fundamental, e o diretor é sempre requisitado. Na maioria das vezes, ele usa a moto para ir de um prédio ao outro: "É muito calor e preciso ser rápido", justifica, num dia em que o termômetro marcava 39° C à sombra.
As distâncias já foram maiores, admite o diretor. Até 2010, as salas de aulas eram espalhadas pela cidade, adaptadas em casas e pontos comerciais. "Os alunos tinham que vir até a sede para a merenda. Muitas vezes, não retornavam mais à aula. Era muito difícil implantar uma linha de trabalho", relembra Edivan, como o diretor é chamado.
Reunir os estudantes nas duas sedes surtiu efeito na qualidade de ensino. A decisão seguinte foi investir na formação dos professores, com incentivo de programas do governo do estado. "Então, tudo mudou na sala de aula. Eles aplicavam o que aprendiam na formação; iam trabalhar mais preparados e seguros", analisa Edivan.
A construção da boa nota
No pátio da escola, onde filhos de políticos, policiais, comerciantes e agricultores da cidade de 9 mil habitantes se encontram, cartazes comemoram o bom desempenho no Ideb; 8,2 para os primeiros anos do ensino fundamental.
A boa nota foi construída com poucos recursos. Para descomplicar a matemática, por exemplo, a professora Maria Generosa da Silva recorreu a tampinhas de garrafa PET e um pedaço de tecido para confeccionar jogos. O tabuleiro, que os alunos montam sobre o piso da sala, ajuda os estudantes a entender operações matemáticas e trabalha o raciocínio.
Já o processo de alfabetização recebe o reforço audiovisual. Os alunos com dificuldades frequentam, uma vez por semana, uma aula diferente numa salinha adaptada, onde funcionava um comércio. Com a ajuda de uma televisão conectada ao computador, a professora usa um software com jogos e músicas. "Eles dão um empurrão no aprendizado", garante Antônia Marta da Costa, professora de Língua Portuguesa.
Ao mesmo tempo em que planeja o ensino na sala de aula, a coordenação tenta acompanhar o aluno com problemas de aprendizado e indisciplina fora da escola. É uma espécie de "Professor da Família" – em alusão ao médico da família–, metodologia que os funcionários da escola Francisca Josué tentam desenvolver para evitar a evasão escolar, estimular o aluno a perseguir sonhos e a ter uma profissão. "Combatemos os problemas com afetividade", diz Sonia Maria Ferreira da Costa, professora e diretora de turma.
"Muitas vezes nos sentimos distantes de tudo e de todos", fala Edivan sobre o município de Deputado Irapuan Pinheiro, a 370 quilômetros de Fortaleza. "Mas estamos mostrando o nosso lugar no mapa por meio do ensino de qualidade que tentamos construir aqui".