1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW
EsporteBrasil

O que faz do Brasil uma potência paralímpica

Enzo Kfouri
28 de agosto de 2024

Em 2021, a delegação brasileira conquistou 72 medalhas nos Jogos de Tóquio, ficando na sétima posição geral. Investimentos dos últimos anos no esporte adaptado explicam sucesso, que deve ser repetido em Paris.

https://p.dw.com/p/4k0FA
Atletas do Halterofilismo da delegação paralímpica brasileira em frente ao prédio do Brasil na Vila Paralímpica, em Paris
Brasil envia a Paris a maior delegação da sua história. Em Paris, atletas do Halterofilismo posam em frente ao prédio do Brasil na Vila ParalímpicaFoto: Isabella Vergani/CPB

Desde os Jogos Paralímpicos de Pequim, em 2008, quando terminou na nona colocação no quadro geral de medalhas, a delegação brasileira se manteve entre os dez países que mais conquistaram medalhas. Foram 47 pódios em Londres 2012, que renderam uma incrível sétima posição. O Brasil conquistou o número total de 72 medalhas nos Jogos do Rio e novamente em Tóquio, ficando na oitava e sétima posição geral, respectivamente.

Em comparação, o Brasil conquistou 74 medalhas nos Jogos Olímpicos de Pequim 2008, Londres 2012, Rio 2016 e Tóquio 2020 somados. Essa diferença mostra que o país é uma potência paralímpica.

Se por um lado atletas paralímpicos alcançaram muito sucesso nos últimos anos, brasileiros com deficiência enfrentam ainda grandes dificuldades no cotidiano. Atualmente, cerca de 18,6 milhões de brasileiros possuem algum tipo de deficiência, o que corresponde a 8,9% da população, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) de 2022.

Também de acordo com a pesquisa, a taxa de analfabetismo entre pessoas com deficiência (PCDs) no terceiro trimestre de 2022 foi de 19,5%. Entre a população sem deficiência, ela ficou em 4,1%. Em relação à formação escolar, apenas 25,6% das PCDs haviam concluído o ensino médio, contra 57,3% das pessoas sem deficiência.

Treino da Bocha na Arena Paris Sud 1, em Paris
Em apenas duas modalidades o Brasil não vai competir em ParisFoto: Alessandra Cabral/CPB

No mercado de trabalho, o nível de ocupação de PCDs é de 26,6%, menos da metade do percentual registrado entre a população brasileira total, que é de 60,7%. Em relação a salário e remuneração, os dados mostram ainda que os PCDs têm uma renda média 30% menor: R$1.860 contra R$2.690 para pessoas sem deficiência.

Essa lacuna na inserção escolar e no mercado de trabalho pode ser um dos motivos que leva muitos a recorrer ao esporte de alto rendimento, onde há um apoio muito maior para pessoas com deficiência do que em outros setores. No Brasil, o esporte funciona muitas vezes como uma ferramenta de transformação, muda vidas, e com PCDs isso não é diferente.

"O Brasil ainda tem um caminho longo pra atuar em relação às pessoas com deficiência em toda área cultural, educacional, mas esportivamente estamos seguindo um rumo bem promissor", afirma Yohansson Nascimento, vice-presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro e dono de seis medalhas paralímpicas no atletismo entre 2008 e 2016.

Patrocínio e investimento no esporte

Se o apoio no esporte paralímpico é maior que nos outros setores da sociedade, isso se deve ao trabalho do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). Criado em fevereiro de 1995, o comitê teve um papel fundamental na ampliação e visibilidade do esporte paralímpico no país. Os resultados já vieram nos primeiros jogos após sua fundação, em Atlanta 1996: foram 21 medalhas (dois ouros, seis pratas e 13 bronzes) e a 37ª colocação no quadro de medalhas.

Um grande ponto de virada para o desenvolvimento do esporte de modo geral no país foi o sancionamento da Lei Agnelo Piva, em 2001, que estabeleceu o repasse de uma parte da arrecadação das loterias federais para os Comitês Olímpico e Paralímpico. O CPB, no caso, recebe 0,95% de tudo o que é apostado nas loterias da Caixa.

Carol Santiago durante treino da natação
Entre os principais destaques individuais estão nomes como Carol SantiagoFoto: Alessandra Cabral/CPB

Somado a isso, marcas como Asics, Braskem, Havaianas, loterias Caixa e Toyota, também contribuem bastante como patrocinadoras de algumas modalidades ou do comitê de modo geral. Além disso, existem marcas apoiadoras, como a Ajinomoto, e fornecedoras, como a Max Recovery.

Toda essa rede torna possível o investimento em infraestrutura e no desenvolvimento do esporte adaptado no país. "Isso faz com que o CPB consiga estruturar cada vez mais os nossos programas por conta de todo esse financiamento", diz Nascimento.

Infraestrutura e plano estratégico

A oportunidade de sediar os Jogos Paralímpicos do Rio em 2016 também ajudou a alavancar o esporte adaptado no Brasil. Tido como o maior legado físico da competição, o Centro de Treinamento Paralímpico, construído em São Paulo, conta com instalações esportivas indoor e outdoor para treinamentos e competições de 15 modalidades. O complexo ainda tem uma área residencial com alojamentos, refeitório, lavanderia e um setor administrativo com salas, auditórios e outros espaços.

Centro de Treinamento Paralímpico, construído em São Paulo
Centro de Treinamento Paralímpico foi o maior legado dos Jogos Olímpicos do RioFoto: CPB

Além do centro de treinamento, desde 2017, o CPB passou a incorporar no seu plano estratégico a difusão de centros de referência, que aproveitam espaços esportivos para oferecer modalidades paralímpicas, desde a iniciação até o alto rendimento. São 72 em todo o país, pelo menos um em cada estado, alcançando todas as regiões do Brasil.

Também em 2017, o CPB passou a criar os programas de desenvolvimento esportivo com os festivais paralímpicos. "No ano passado, estivemos em 119 cidades espalhadas por todo o Brasil e mais de 40 mil crianças tiveram esse primeiro contato com o esporte paralímpico", completa o vice-presidente do CPB.

O que esperar do Brasil em Paris

O Brasil envia a Paris a maior delegação da sua história: 280 atletas, sendo 255 esportistas com deficiência, 19 atletas-guia (18 do atletismo e 1 do triatlo), três calheiros da bocha, dois goleiros do futebol de cegos e um timoneiro do remo. Em apenas duas modalidades o Brasil não vai competir: basquete em cadeira de rodas e rúgbi em cadeira de rodas.

As expectativas são as melhores possíveis. Depois de um bom ciclo, com treinamento em centros de excelência no Brasil e participações importantes em competições internacionais, o Brasil Paralímpico (como é chamada a delegação brasileira) tem tudo para superar o recorde de pódios batido no Rio e repetido em Tóquio.

Petrúcio Ferreira
Petrúcio Ferreira, bicampeão paralímpico, também é um dos destaques do BrasilFoto: Alessandra Cabral/CPB

"No momento, o número mágico que o CPB está falando é bater o número de 72 medalhas conquistadas nos últimos jogos. O nosso próprio planejamento estratégico prevê a conquista de 70 a 90 medalhas no total, então pode esperar que muitas medalhas estão vindo por aí", afirma Nascimento.

O carro-chefe, como nas outras edições, deve ser o atletismo. O Brasil terá 71 atletas e 18 guias, praticamente o número máximo possível, que permite que apenas 72 atletas de um mesmo país possam competir. A delegação brasileira ficou em segundo lugar geral nos últimos dois mundiais da modalidade, somente atrás da China, e deve vir forte em Paris.

As equipes do vôlei sentado, sobretudo a feminina, campeã mundial em 2022, e do futebol para cegos, campeã de todos os Jogos Paralímpicos desde a estreia da modalidade, também estão cotadas para trazer medalhas.

Entre os principais destaques individuais estão nomes como Carol Santiago, dona de cinco medalhas paralímpicas, incluindo 3 de ouro, na classe S12 da natação, Petrúcio Ferreira, bicampeão paralímpico da classe T47 do atletismo, e Alana Maldonado, campeã paralímpica em Tóquio na classe J2 do judô.