O que há com o Bayern de Munique?
31 de outubro de 2002Ao conquistar em 2001 a Liga dos Campeões e a Taça Intercontinental de clubes, o treinador Ottmar Hiztfeld e sua equipe de estrelas mundiais completaram sua coleção de títulos. Haviam vencido – ao menos uma vez – todos os campeonatos e torneios alemães e europeus que disputaram desde 1998. Apesar dos alertas de que o auge também poderia significar o início da decadência de uma equipe sem novos desafios, o Bayern de Munique adotou a postura de time que está ganhando não se mexe.
De fato, a máquina bávara perdeu o embalo, da mesma forma que o Borussia Dortmund após vencer a Liga dos Campeões em 1997. Com o Bayern, foram precisos alguns meses para que a direção caísse na real e anunciasse mudanças radicais no elenco. No fim da temporada, despediu-se do capitão Stefan Effenberg, do brasileiro Paulo Sérgio, do zagueiro suíço Sforza e do atacante Jancker, trazendo o sangue novo de Ballack, Zé Roberto e Deisler.
Liqüidação da "melhor equipe de todos os tempos"
No começo da atual temporada, o presidente do Bayern S.A., Karl-Heinz Rummenigge, fixou o parâmetro do novo time: "a melhor equipe do clube em todos os tempos". A inédita eliminação precoce na Liga dos Campeões – com quatro derrotas e um empate – mostra, porém, que o sapato novo ficou grande demais para o verdadeiro tamanho do pé bávaro.
"O que vivenciamos aqui, não foi uma decepção, mas uma humilhação, uma vergonha para o Bayern", admitiu Rummenigge em seu discurso para os jogadores no tradicional banquete no hotel após a partida em La Coruña (2 a 1 para o Deportivo). Não bastasse a eliminação na Liga dos Campeões, o time nem sequer terá o consolo reservado aos terceiros colocados de disputar a Copa da Uefa. À decepção esportiva e aos danos à imagem do clube, some-se queda na receita. Fora das competições européias, o Bayern calcula perder 30 milhões de euros em arrecadação prevista para esta temporada. Para equilibrar o orçamento, não resta alternativa que não vender alguns jogadores.
"Os jogadores não me deixaram na mão conscientemente"
O técnico também pode estar com seus dias contados no clube. Ao contrário do costume, Hitzfeld ficou desta vez sem declarações de confiança de Rummenigge e do diretor Uli Hoeness. Ambos silenciaram. "É a calmaria antes da tempestade", admite o treinador, para quem o Bayern chegou no auge a aventar a hipótese de um contrato vitalício.
Nas entrevistas depois do jogo em La Coruña, o técnico de 57 anos não lavou as mãos. "Sempre levei meus times pelo menos às quartas-de-finais em competições internacionais. Estou chocado. Mas não quero me esquivar das críticas", disse Hitzfeld. Em princípio, atribuiu aos jogadores o fracasso: "Falta entusiasmo, paixão e fé. Alguns jogadores ainda não sabem conviver com a pressão. É um problema psicológico." Mas também insinuou que talvez ele mesmo esteja sendo incapaz de estimular seus comandados, num sinal de autocrítica: "Com certeza, os jogadores não me deixaram na mão conscientemente."
O que mudou no elenco
A discussão sobre a ausência de comando acompanha todas as equipes – inclusive a seleção nacional – por onde passa Ballack, a grande revelação do futebol alemão dos últimos anos. O ex-jogador do Bayer Leverkusen brilha com a bola, mas não convence no papel de líder que tanto lhe exigem, como armador. Um comportamento bem diferente em relação ao dispensado Effenberg, que além de ter visão de jogo e ser habilidoso cumpria radicalmente sua missão de capitão em campo.
Hoje o papel cabe oficialmente ao goleiro Kahn. No entanto, contundido, ele foi dispensado da viagem a La Coruña pelo treinador, o que não agradou a diretoria, que acha que o capitão poderia ter ajudado a incentivar os colegas mesmo fora de campo. Para piorar o moral interno no elenco, o capitão tem sido protagonista de indisciplina. Em campo, agrediu Brdaric no duelo da Bundesliga com o Bayer Leverkusen. Em tratamento de reabilitação, foi pego jogando golfe e, no último sábado, arejando a cabeça numa discoteca, até quase de manhã, junto com seu irmão, que naquela noite acabou denunciado à polícia por agressão física e verbal a uma estudante.
Parceiro de Ballack no meio-campo desde o Leverkusen, o brasileiro Zé Roberto também ainda não mostrou seu potencial no Bayern, após ter se destacado na temporada passada. Entre os veteranos, dá-se pela falta dos gols decisivos de Élber, apesar de o atacante brasileiro liderar a artilharia no Campeonato Alemão.
Há deficiências também na defesa. Desde que Lothar Mathäus pendurou as chuteiras, a retaguarda bávara vive insegura. Sforza, Kovac, Thiam. Nenhum dos reforços trouxe tranqüilidade. Kuffour continua instável e os laterais franceses Sagnol e Lizarazu já não rendem o mesmo que anos atrás.
A falta que Beckenbauer faz
A decadência bávara igualmente coincide com a transformação do departamento de futebol em sociedade anônima. Presidente do clube, Franz Beckenbauer não interfere mais pessoalmente nos assuntos relativos ao Bayern S/A, presidido por Rummenigge. Ninguém esquece do humilhante sermão que o Kaiser do futebol alemão passou nos jogadores do clube após uma derrota em Lyon. O discurso mexeu com os brios dos contratados que acabaram dando a volta por cima e levando a equipe à conquista da Liga dos Campeões em 2001.
Em La Coruña, mesmo depois de a vaca já ter ido para o brejo, o discurso de Rummenigge nem chegou de perto da agressividade de Beckenbauer. O presidente do time-empresa limitou-se a chamar os jogadores de "fracassados" e lembrar que "palavras como disciplina – também fora de campo –, combatividade e paixão têm de voltar ser escritos com letra maiúscula por todos".
Naquela noite, o Kaiser estava naquela noite bem longe dali, no Catar, como presidente do comitê organizador da Copa de 2006. Tenha sido coincidência ou não, ao menos poupou-lhe de presenciar o vexame. Nem por isto deixou de dar seu recado ao time e a seus responsáveis: "Nas últimas semanas, muito se tem falado de destino, da falta de sorte, de azar. Mas, sejamos honestos, também não se fez nada para mudar este destino."