O que pensam religiosos da Amazônia sobre celibato de padres
13 de janeiro de 2020Com o objetivo de ampliar sua presença na Amazônia, a Igreja Católica pode vir a rever um de seus principais princípios: a obrigatoriedade do celibato para padres. Durante o Sínodo da Amazônia, que reuniu 250 lideranças no Vaticano em outubro do ano passado, deliberou-se a favor da ordenação de padres casados em áreas remotas da região. Por enquanto, trata-se apenas de uma recomendação.
Espera-se que palavra final, do papa Francisco, venha a ser conhecida nas próximas semanas. Em livro a ser lançado nesta semana e que teve um trecho divulgado neste domingo (12/01), o papa emérito Bento 16 se manifestou a favor da manutenção do celibato de padres, afirmando que este tem um "grande significado" e que não parece ser possível conciliar a vocação do casamento com a do sacerdócio.
A polêmica iniciativa proposta no Sínodo da amazônia é fruto de uma preocupação com a baixa presença eclesiástica em regiões de difícil acesso. No município de Machadinho do Oeste (RO), o padre Dionísio Kuduavicz, da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, atende sozinho 63 comunidades. As mais remotas recebem apenas três visitas por ano, únicas ocasiões em que são celebradas missas. Com 76 anos de idade, ele atua na região há 41.
"Temos pessoas que consideramos homens provados, que dão seu testemunho pela vida em comunidade e poderiam sem problemas assumir o ministério sacerdotal como homens casados. São pessoas que vêm atuando há anos como lideranças, como ministros da palavra e eucaristia", afirma o padre Dionísio. "Mas isso vai exigir muita preparação. Serão passos que precisarão ser dados durante muito tempo, não é de uma hora para outra", ressalta.
Nas últimas décadas, a ausência de padres na região amazônica foi suprida com a vinda de missionários estrangeiros. É o caso do espanhol Josep Iborra, que vive em Rondônia há 26 anos. Por quase uma década, ele se dedicou a atender ribeirinhos do Rio Guaporé. Entre eles, quilombolas, indígenas de contato recente e indígenas bolivianos catequizados pelos jesuítas.
Há dez anos, ele pediu dispensa sacerdotal para se casar. Desde então, essas comunidades nunca mais receberam a visita de um padre. Ciente dessa realidade, Iborra vê com bons olhos a ordenação de padres casados na Amazônia. Entretanto, considera a medida insuficiente para atender às carências da atuação da Igreja na região.
"Os problemas de formação irão continuar. Também é preciso pensar em formas de ajudar as pessoas que se dedicam à Igreja. Os evangélicos têm demonstrado que isso é possível. Nunca pensei que veria a ordenação de padres casados. Mas é ainda mais importante que haja pessoas formadas como diáconos permanentes e ministros da eucaristia nessas comunidades, para descentralizar as atribuições", avalia.
Embora manifeste entusiasmo com a possibilidade de receber apoio de novos padres em seu trabalho exaustivo, padre Dionísio revela uma grande preocupação com o abandono das áreas rurais por agricultores tradicionais.
"Está havendo uma concentração das terras. Sobretudo nas áreas planas, o agronegócio está tomando conta, principalmente pelo cultivo de soja. À medida que as comunidades forem diminuindo, o trabalho vai aumentando nas cidades, onde aumenta a população e a pobreza, pois quase não há emprego. As comunidades estão se esvaziando", diz.
Rotatividade dificulta vínculos
Ao longo de sua experiência na região, ficou evidente para Iborra como a presença temporária de padres de outros estados do Brasil, além dos estrangeiros, dificulta o estabelecimento de vínculos com as comunidades atendidas.
"Eles vêm para ficar um, dois anos. Quando começam a entender o contexto, está na hora de ir. A maioria dos padres que chegam à Amazônia vem do Sul do Brasil e se entende melhor com seus conterrâneos. Acontece que, muitas vezes, são pessoas envolvidas em atividades que depredam o meio ambiente e ameaçam a existência dos povos da região. Isso afasta a Igreja de quem mais necessita", critica.
A Amazônia tem, hoje, um padre para cada 17 mil católicos batizados. Caso a mudança recomendada no Sínodo da Amazônia seja implementada, valeria somente para a ordenação de novos padres locais, sendo mantido o celibato obrigatório para os demais.
A recomendação foi aprovada por 128 votos a 41 durante os debates do Sínodo. O arcebispo de Rondônia, Dom Roque Paloschi, participou ativamente das discussões no Vaticano e foi eleito para o conselho pós-sinodal convocado pelo papa Fracisco.
"Dentre as muitas proposições do Sínodo da Amazônia, a possibilidade de ordenação de homens casados foi uma daquelas elencadas para responder à necessidade que a Igreja tem de marcar presença em lugares muito distantes e carentes, uma presença permanente no ministério dela. Não mais uma igreja de visita, mas de encarnação", explica.
O arcebispo faz um apelo para que a discussão de maior polêmica do Sínodo não se torne o centro das discussões "para os novos caminhos de regeneração da Amazônia". Entre os temas discutidos no encontro, estão o diaconato feminino, a urbanização da região e a relação com os evangélicos.
Fim do celibato obrigatório?
Embora a deliberação pela ordenação de padres casados se restrinja ao contexto amazônico, Dom Roque acredita que sua eventual aprovação pelo papa Francisco possa impulsionar a discussão do celibato obrigatório no interior da Igreja.
"A possibilidade da ordenação de homens casados traz para a Igreja uma reflexão mais ampla sobre as diversas formas de ministérios no interior da Igreja. Ninguém é contra o celibato, mas muita gente acredita que o direito à eucaristia, à unção dos enfermos e da confissão não podem estar sob a norma do celibato", defende.
Iborra chama atenção para a rejeição massiva a uma proposição de flexibilização do celibato apresentada durante o Sínodo da Eucaristia, em 2007, durante o papado de Bento 16.
"Quando eu era seminarista, no auge da teologia da libertação, a Igreja era mais progressista do que hoje. Mas a maioria conservadora parece estar perdendo força. A eleição do papa Francisco não é um movimento isolado e dialoga com a ideia de reabertura do Concílio Vaticano II. Como sempre, a caminhada da história é pendular", diz.
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