O que quer Bolsonaro como presidente?
30 de outubro de 2018As últimas semanas antes do segundo turno foram duras. Assisti a muitos discursos, vídeos e entrevistas de Jair Bolsonaro para me preparar para o showdown. E então um colega simplesmente me perguntou no domingo da eleição: "O que Bolsonaro realmente quer?" E eu fiquei ali, sem saber o que dizer. Sei lá. O que será que move esse homem?
Normalmente, consigo ter durante entrevistas uma vaga ideia sobre o porquê de a pessoa sentada à minha frente fazer o que faz. Eu nunca entrevistei Bolsonaro. Mas eu o vi pessoalmente em março, na chegada a um aeroporto. Lá estavam os óculos de sol de plástico de aparência barata e a faixa pintada de forma caseira "Bolsonaro 2018". E ele batia num boneco do Lula, disparava contra a multidão com seus dedos e posava com seu livro favorito. O do coronel Alberto Brilhante Ustra sobre a ditadura. E ria de forma marota, maliciosamente. Tudo apenas uma piada?
Ele parecia uma paródia, um personagem do programa de humor CQC, no qual apareceu várias vezes. Ou um personagem do Pânico na TV. Durante anos, ele passou por esses programas, pôde assustar os espectadores do Superpop, de Luciana Gimenez, com seus impropérios. Por que uma pessoa se submete a aparecer tantas vezes nesses programas? Para chamar a atenção do público? Quanto mais absurdas suas teses e insultos, mais conhecido ele se tornava. Acho que foi numa entrevista ao Jô Soares que ele confessou: se eu não tivesse dito todas aquelas monstruosidades, não estaria sentado aqui agora.
Em casa, em frente à TV, talvez estivessem seus quatro garotos sentados, assistindo às declarações às vezes absurdas do pai. Será que eles morriam de rir quando o pai insultava alguém diante de uma plateia de milhões? Será que depois se divertiam juntos fartamente por terem, mais uma vez, colocado todos os espectadores contra si?
Na Câmara dos Deputados, em Brasília, o papel de Bolsonaro foi sempre o de provocar o adversário político e criar tumulto. E em 17 de abril de 2016 veio seu famigerado voto pelo impeachment de Dilma Rousseff. Dedicá-lo logo ao coronel Ustra é mais do que o cúmulo do mau gosto. É uma ruptura civilizacional. E foi, ao mesmo tempo, o repugnante tiro de largada para a sua campanha presidencial, finalizada com sucesso.
Agora ela acabou. Sua esposa garante que o marido é, na verdade, bastante simpático. De onde partem as alegações de que ele seria homofóbico, misógino e racista? – ela se pergunta. Ok, ela provavelmente não teve tanto tempo quanto eu para assistir a todos os vídeos. Ou ela apenas acredita nas alegações dele de que tudo era apenas brincadeira. Bem, eu acredito que Bolsonaro seja um bom pai e um bom marido em casa. Mas será que a pessoa precisa se tornar presidente por causa disso?
E essa coisa da Presidência – seria séria ou somente mais uma brincadeira? Eu me pergunto isso porque simplesmente não consigo enxergar o motivo por ele querer se tornar presidente. Ele nunca menciona os milhões de pobres e miseráveis em seus discursos, sugerindo que a luta pela justiça social não é sua força motriz. De acordo com suas próprias declarações, ele também não entende nada de economia, o que sugere que ele simplesmente não se interessa pelo tema.
A proteção ambiental também não o interessa, porque senão ele não iria querer sacrificar a Floresta Amazônica em função de plantações de soja. E se a corrupção o incomoda tanto, como não cansa de dizer, por que ficou durante 11 anos no PP, um dos partidos com maior número de investigados na Lava Jato? Talvez ele se importe com a saúde pública? Ele esteve no Congresso por quase três décadas, tempo suficiente para promover seus assuntos prediletos. Mas, na verdade, nada aconteceu.
Só quando o assunto tinha a ver com homossexualidade e comunismo, ele sempre se tornava hiperativo. Por que logo isso o incomoda tanto? E aí circulam teses de uma conspiração comunista mundial, em que os comunistas não mais atacam com tanques e mísseis nucleares. Em vez disso, tentam converter, segundo a teoria, crianças inocentes em homossexuais, a fim de impedir a reprodução das famílias cristãs.
Será que é isso que o move: uma caça aos comunistas? Já quando adolescente, Bolsonaro ajudou os militares a procurarem o comunista Carlos Lamarca nas selvas. Mas isso foi há muito tempo. Hoje, comunistas de verdade só existem nas mentes de pessoas como Donald Trump. Ou será que também na de Jair Messias Bolsonaro?
Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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