'O star sou eu'
9 de outubro de 2008Um ciclo de dez exposições em Berlim explora o mistério de um culto. O que constitui o artista, o que o distingue, o torna tão popular, e por que ele é aclamado através dos tempos – quer como profeta, gênio ou super-homem? Contudo trata-se também da tentativa de abordar um mito no qual se revela o drama da eterna luta entre realidade e delírio, céu e inferno, destino e livre-arbítrio.
A idéia – não precisamente modesta – partiu de Peter-Klaus Schuster, diretor geral dos Museus Estatais de Berlim desde 1999, que mais uma vez coloca em evidência sua cidade e seus museus, com força e verve. "É uma verdadeira paisagem de significados: o artista como figura-guia que nós seguimos, com que novamente salvamos a vida, e que se unifica conosco, através de todos os sentidos. E que assim se torna novamente ser humano", floreia o historiador de arte e autor.
No início, a Nefertite
Schinkel e Brentano, Hans von Marees, Giacometti, Paul Klee: estes são apenas alguns dos protagonistas há tanto tempo celebrados como artistas pelo público e relembrados nas exposições em Berlim. O decálogo das mostras evoca também os princípios do culto ao artista. Tutmés, o autor da famosa estátua de Nefertite – atualmente exposta em Berlim – é citado como um dos primeiros a portar a aura do artista. No final da série, estão Andy Warhol e Joseph Beuys, santos da arte do século 20.
"De início, o artista era servidor de ideologias religiosas", observa Eugen Blume, diretor do Hamburger Bahnhof – Museu do Presente, em Berlim. A partir do século 19, ele se liberta. "Desde então, tornou-se inteiramente autônomo, desligado também de qualquer função ou serviço e, no entanto, com status de culto na sociedade." Blume é o curador da retrospectiva Beuys, o maior show sobre o artista já realizado na Alemanha.
Sebo + feltro + mel = arte
Trajando o inevitável chapéu e colete, Beuys explica seu mundo em 50 filmes, exibidos sem parar nos 5 mil metros quadrados da exposição. E o visitante reencontra os materiais quotidianos que compõem seu famoso inventário: sebo, feltro, ardósia e mel – substâncias consideradas totalmente indignas para a arte, antes de Beuys.
Segundo Blume, trata-se de aprender e de sempre manter a consciência de que figuras radicais como o artista natural de Krefeld existiram. "Ele agora está morto há 22 anos. Isto aqui é um verdadeiro playground de aventuras, onde se pode conhecer esta grande personagem, o revolucionário Beuys."
A retrospectiva traz um título irônico: "A revolução somos nós", uma alusão ao famoso auto-retrato em que Beuys caminha em direção ao espectador. Porém "revolução" não significava para ele golpe e deposição violenta, mas sim reordenação do mundo, pacífica, utópica e evolucionária, em que as pessoas se libertassem da sombra ameaçadora da história e tomassem nas mãos o próprio futuro: aqui, o artista é profeta.
A idéia de Beuys, recorda Blume, é que cada ser humano é um artista. "Tudo o que compõe o artista, em termos de energias e forças formadoras fora do comum, ele queria ver transferido a cada ser humano." Qualquer que seja o seu trabalho, cada pessoa deveria encará-lo como um processo plástico e, portanto, artístico, afirma o curador da mostra.
Clube do Bolinha
A série de exposições em Berlim é um bombástico show masculino. Pois nenhuma mulher sobe à ribalta deste culto ao artista, embora logo ocorram alguns nomes que mereceriam um lugar neste ciclo. Assim, o total permanece antes uma demonstração megalomaníaca, na qual Berlim reafirma seu lugar na indústria artística mundial.
As mostras serão inauguradas pouco a pouco. Quem desejar visitar todas as dez, deve esperar para ir à capital alemã em novembro e dezembro próximos.