O templo dos refugiados yazidis
31 de agosto de 2014O templo yazidi do vilarejo de Lalish, localizado no norte do Iraque, a poucos quilômetros da cidade de Shikhan, fica cercado por colinas. Os telhados pontiagudos do edifício se elevam entre as copas das árvores. Um caminho sem calçamento leva à entrada do prédio.
A pequena comunidade yazidi do Curdistão se reúne normalmente em Lalish para celebrar suas festas religiosas. Mas agora, eles estão ali para se proteger, fugindo dos militantes do "Estado Islâmico" ("EI"), que capturaram e mataram milhares de yazidis desde o início de agosto.
A perseguição aos yazidis por extremistas islâmicos remonta a séculos, à primeira incursão muçulmana na região do Curdistão. Com uma religião pré-islâmica e pagã, com raízes no zoroastrismo, os yazidis são considerados adoradores do diabo por muitos muçulmanos. Militantes extremistas, como os do "EI", consideram seu dever religioso convertê-los ou matá-los.
A maioria das 450 famílias que agora vivem no templo é da parte ocidental de Sinjar, que se localiza entre Mosul e a fronteira síria. E todos eles têm histórias terríveis para contar de seus encontros com os militantes do "EI".
"Nós fomos a última família a deixar [a cidade de] Sinjar", disse Khalida Burkat, de 24 anos, sentada à sombra de uma barreira de concreto na entrada do templo, enquanto sua filha dorme ao lado dela numa caixa de plástico. Tendo dado à luz somente dois dias antes de os militantes extremistas terem invadido a cidade, Burkat e seu marido esperaram até o último minuto para carregar seu novo bebê e três outras filhas, todos com idade inferior a seis anos.
Ao fugirem da cidade para a vizinha montanha de Sinjar, onde dezenas de milhares de yazidis procuraram refúgio, Burkat disse que viu atiradores do "EI" matarem a tiros três homens diante dela, enquanto subiam o caminho sinuoso que leva ao cume. Ao chegar ao topo, a família passou oito dias sem comida e quase sem água, sob o jugo dos militantes do "EI". "O que podíamos fazer", indagou Burkat, "Só pedimos a Deus para nos ajudar."
A família de Burkat foi finalmente resgatada por membros do rebelde Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Juntamente com as forças peshmerga curdas, o PKK estabeleceu um corredor de segurança e escoltou milhares de yazidis em segurança.
À mercê do "EI"
Nem todos sobreviveram à provação da montanha. Basee Elias perdeu a sua irmã de 50 anos, Kamo. "Ela teve um ataque cardíaco", disse Elias. "Ela morreu de medo." Elias vem do vilarejo de Siba Sheikh Khdr, que foi atacado pelo "EI" nas primeiras horas da manhã do dia 3 de agosto. O tio dela, Khider Elias, encontrava-se no vilarejo quando os militantes entraram. "Eles vieram em cerca de 24 veículos", disse o tio, "eles hastearam a bandeira e bradaram 'Allahu Akbar' [Alá é grande]. Cinco ou seis famílias permaneceram no vilarejo, e eu vi o "EI" simplesmente matando três homens a tiros.
Outros moradores foram sequestrados pelo "EI" e ninguém sabe o que aconteceu com eles. É provável que alguns tenham sido levados para Mosul ou Tal Afar, onde centenas de mulheres e meninas yazidis estão sendo mantidas reféns, enquanto muitas outras foram vendidas nos mercados em Mosul e Raqqa, como escravas.
"Queremos que os EUA bombardeiem esses lugares", disse Hamat Khalaf, cuja família provém de Sinjar. "Estas meninas estão sendo estupradas, às vezes por 10 ou 20 homens. Para elas, é melhor que morram."
Depois de tudo por que passaram, muitas pessoas disseram que não querem retornar às suas casas, mesmo que os militantes sejam expulsos. "Perdemos tudo", disse Khider Elias. "Se trabalharmos outros 30 anos na reconstrução, tudo poderá estar perdido novamente numa só hora. Não há razão para voltar."
Esperança de um porto seguro
Os yazidi se sentem particularmente vulneráveis porque muitos dos vilarejos em Sinjar estão rodeados de assentamentos muçulmanos, cujos moradores, dizem os yazidis, colaboram com os militantes extremistas contra os vizinhos yazidis. "Nós não poderíamos nunca dormir sossegados", disse Elias. "Nós nunca nos sentiríamos seguros." Os moradores do pequeno vilarejo também acusam as forças peshmerga curdas de falharem em protegê-los.
"Antes de isso acontecer, os peshmerga pegaram nossas armas e disseram, 'não se preocupem, nós somos peshmerga – vamos lutar'", contou Hamat Khalaf. "Mas eles não fizeram nada, eles nos abandonaram. Só Deus sabe por que os peshmerga não nos ajudaram. É vergonhoso, vergonhoso."
Agora, muitos dos refugiados em Lalish estão dizendo que querem deixar o Iraque e juntar-se à diáspora yazidi no Ocidente. "Europa, EUA, Austrália. Quero ir para onde não exista nenhum muçulmano, nenhum Islã", afirmou Khider Elias.
Os líderes religiosos yazidis estão fazendo o que podem para manter a sua congregação no Iraque, mas reconhece há necessidade de que eles sejam mais bem protegidos. O monge yazidi Baba Chawish, residente de Lalish, é um desses líderes religiosos. "O Curdistão é nosso lar: nosso templo é aqui, nossa vida é aqui; é onde os primeiros yazidis surgiram. Se os yazidis deixarem as suas casas, isso é ruim para eles e para nossa religião", disse o monge. "[Mas] se não houver segurança, como podemos dizer a eles para ficar?"
Ele deposita suas esperanças que a comunidade internacional disponibilize proteção adicional à forças locais. "Precisamos que os EUA ajudem os yazidis", disse Baba Chawish. "EUA, os Peshmerga, o governo do Curdistão. Acredito que haverá um resultado positivo. Atualmente, todo mundo está ajudando os yazidis."
Luqman Suleiman, um professor de escola e guia voluntário em Lalish, também está otimista. "O futuro do Curdistão será bom para os yazidis. Ouvimos Obama dizer pela primeira vez a palavra 'yazidi'. Ban Ki-moon está falando dos yazidis, John Kerry está falando dos yazidis", afirmou. "O mundo todo nos conhece agora."
E ele, por exemplo, não vai para lugar nenhum. "Para onde eu devo ir? Alemanha? Não, o melhor é que os alemães venham nos visitar. Não se pode partir toda vez que há um problema. Se agirmos assim, como poderemos construir uma vida?"