Entrevista
7 de novembro de 2008O ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) Hans Blix avaliou, em entrevista à DW-WORLD.DE, que os Estados Unidos retrocederam nas suas relações com a Rússia durante o governo George W. Bush.
"A Rússia se sente humilhada pelos EUA. Por esse motivo, Medvedev não congratulou Obama pela eleição e posicionou mísseis na direção da Europa", afirmou Blix.
Nesta sexta-feira (07/11), a Rússia divulgou que recebeu, dos Estados Unidos, novas propostas de negociação sobre o polêmico sistema antimísseis que os americanos pretendem instalar na Polônia e na República Tcheca.
Entre outros pontos, a proposta incluiria a possibilidade de os russos inspecionarem o sistema. O Kremlin disse que vai avaliar o documento.
DW-WORLD.DE: Qual o significado da eleição de Obama para a política mundial?
Hans Blix: Eu acho que, politicamente, a eleição significa um alívio imenso para o mundo. Nós tivemos que suportar uma política puramente militarista e por vezes quase extremista do governo Bush. Ele tinha o hábito de dar ordens às pessoas em vez de conversar com elas.
Obama já deu um sinal. Ele quer se reunir e conversar com os chefes de Estado e governo deste mundo. Ele quer realmente negociar. Muitos o acusaram de ingenuidade. Mas vejo isso como uma grande oportunidade, principalmente para países como o Irã. Se isso vai trazer alguma coisa, é claro que ainda não se sabe.
O que o senhor acha?
Temos que necessariamente tentar. Está mais do que na hora, nós já perdemos tantos anos. Conversar com um opositor não significa curvar-se a ele. Significa somente conhecer melhor a posição do oponente. Em breve acontecerão eleições no Irã, algumas coisas podem mudar por lá.
E o Iraque? Obama criticou a guerra no Iraque como o pior erro que Bush poderia ter cometido...
E Obama está coberto de razão. Essa guerra não pode ser justificada de nenhuma forma. Bush usou três argumentos para essa guerra. O primeiro foi que a Al Qaeda estaria no Iraque. A organização não estava lá. O segundo foi que o Iraque possuía armas de destruição em massa. Não foi encontrada nenhuma. O terceiro foi a intenção de Bush de democratizar o Iraque. E também isso falhou.
Agora, no final de seu mandato, Bush desistiu e concordou até com a exigência de Obama: as tropas norte-americanas serão retiradas. McCain tinha anunciado que deixaria as tropas por cem anos no Iraque se necessário.
Obama quer "retirar as tropas de forma responsável", como ele afirma. O Iraque não irá mergulhar no caos quando os soldados deixarem o país?
A maioria do povo iraquiano quer que os EUA se retirem, mesmo que depois o país fique entregue ao seu destino. O importante é uma cooperação mais forte com os outros países da região do Golfo. Eles poderiam ajudar o Iraque a se estabilizar. Essa é a grande esperança que tenho em relação à região.
Como o senhor vê o comportamento da Rússia após a eleição de Barack Obama?
A Rússia se sente humilhada pelos EUA. Por esse motivo, Medvedev não congratulou Obama pela eleição e posicionou mísseis na direção da Europa. A Rússia quer ser levada a sério de qualquer maneira. Infelizmente, devido à era Bush, retrocedemos nas relações com a Rússia, como se a Guerra Fria não tivesse acabado. As relações entre a Rússia e os EUA nunca foram fáceis, mas durante o governo Bush elas pioraram de forma dramática.
O sistema de escudo antimísseis trouxe danos às relações entre os dois países, que quase foram cortadas devido às negociações de adesão da Geórgia e da Ucrânia com a Otan. Foi simplesmente demais para os russos. Eu aposto agora num forte diálogo de Obama com a Rússia. Espero que ele tente entender a posição dos russos. Eles não se sentem levados a sério pelos EUA.
Depois da crise da Geórgia, quase todas as nações criticaram veementemente a Rússia. Mas, na verdade, foram os georgianos que atacaram. Os russos têm algumas razões para se sentirem ofendidos.
Obama terá a chance de negociar de forma mais habilidosa e, sobretudo, mais pacífica pelo mundo?
O que mais me dá esperança em Obama é o fato de ele exigir o desarmamento nuclear mundial. A Guerra Fria já acabou e não precisamos – por nenhuma razão neste mundo – de armas nucleares. É claro que é utópico achar que todas as bombas atômicas serão imediatamente destruídas. Mas, os primeiros passos nessa direção devem ser tomados.
É uma posição que Obama apóia bastante. Ele quer reduzir a produção de mísseis, o que me dá muita esperança. E, assim, os Estados Unidos poderiam economizar muito dinheiro. O mundo gasta anualmente 1,3 trilhão de euros em fins militares. A metade deste valor, ou seja, 700 bilhões de euros, são gastos pelos EUA. Obama e seu governo poderiam certamente usar melhor boa parte desta quantia em outros projetos.