Comida cara
14 de janeiro de 2010O especialista de TI Issa Quedraogo sonha em exportar os produtos orgânicos que produz em 600 hectares de terras no seu país natal, Gana: mandioca, coco, cereais e frutas.
Mas, para que o sonho de Quedraogo se concretize, o governo de Gana teria de aumentar os créditos baratos para pequenos produtores. “Se isso acontecesse, a África, sobretudo Gana, inclusive poderia abastecer outros países da África Ocidental com alimentos e outros produtos agrícolas”, avalia.
Quanto mais industrializado, maior o imposto
Na opinião de Issa, também a Europa poderia tornar-se um mercado lucrativo para ele, apesar das altas taxas de importação, que são um empecilho aos produtores de países em desenvolvimento.
Segundo ele, um fator que atrapalha em especial é que, quanto mais industrializado o produto, mais alta a taxa de importação. Isso garante que sejam trazidos de fora apenas os produtos que não existem na União Europeia (UE), como café, abacaxi e cacau – esse último, por exemplo, chega à Europa quase livre de impostos.
Sobre produtos industrializados, como a barra de chocolate e a bebida de chocolate, chegam a ser cobrados 30% de impostos. E para alguns produtos mais refinados feitos a partir do cacau, o imposto é ainda maior: 60%, como alerta a ONG Ação Agrária Alemã. Em alguns casos, o imposto sobre frutas exóticas enlatadas pode chegar a 146%.
“Se o café tipo arábica, por exemplo, fosse produzido na África, ele sofreria uma taxação de 100% ou 120%. Isso protege nossas torrefadoras da concorrência no mercado”, avalia Francisco Mari, representante do Serviço das Igrejas Evangélicas na Alemanha para o Desenvolvimento (EED).
Acordos protegem ex-colônias francesas e britânicas
Os países em desenvolvimento são usados como fornecedores baratos de produtos agrícolas, reclamam os críticos. Há algumas exceções entre as ex-colônias francesas e britânicas: os acordos comerciais de Lomé e Cotonou permitem que 90% dos produtos que vêm desses locais sejam livres de impostos – em grande parte arroz e açúcar.
Mas bananas, por exemplo, podem ser exportadas a bons preços pelos países africanos – para insatisfação dos países latino-americanos, que se sentem discriminados. Pois a regulamentação não vale para ex-colônias espanholas, já que a Espanha entrou para a União Europeia depois de sua assinatura. Por esse motivo, Equador e Costa Rica foram aos tribunais contra a UE, com sucesso. O bloco europeu deverá diminuir gradativamente, em sete anos, a cobrança de impostos de 174 euros por tonelada para 114 euros.
“No nosso entendimento, isso não é completamente justo, pois as condições de produção nos países africanos são mais difíceis e mais caras. E na América do Sul a produção custa menos devido ao forte engajamento das multinacionais. E muitos países africanos temem que suas bananas percam espaço no mercado europeu”, argumenta Mari.
Países pobres não conseguem manter toda a cadeia de produção
Apesar da resistência da UE, o bloco reduziu os impostos para alguns países, como, por exemplo, através da iniciativa Everything But Arms: as 49 nações mais pobres do mundo podem exportar seus produtos livres de taxas alfandegárias – exceto armas, açúcar e arroz. Na realidade, este e outros acordos preferenciais permanecem em grande parte ineficazes porque os países em desenvolvimento não conseguiram organizar uma indústria alimentícia para exportação.
Neste contexto, Francisco Mari ressalta que a UE encontrou outra maneira de evitar no mercado europeu os produtos vindos de países em desenvolvimento. "Quando dizemos que alguns países podem exportar sem sofrerem taxas na UE, isso quer dizer que, no caso de um suco, por exemplo, tudo tem de ser produzido no país de origem, isto é, desde a embalagem até o último grão de açúcar. Para nações muito pobres, é impossível manter toda esta cadeia de produção. Elas precisam comprar produtos de fora, e aí perdem a isenção alfandegária".
Um segundo problema seria o rígido padrão imposto pela UE a alimentos importados, que dizem respeito não somente à higiene e saúde, mas também a tamanho, cor e forma. Para Mari, muitas dessas regulamentações não servem à defesa do consumidor, mas têm efeito devastador sobre os países pobres e sobre os pequenos produtores que tentam exportar.
E cita um exemplo de caso do Marrocos, onde 60% da produção de tomates são destinados ao mercado europeu. O que acontece com os 40% restantes? “Ficam no Marrocos, vão para o mercado como ‘tomate barato' e concorrem com o ‘tomate normal', cultivado pelo pequeno produtor. E isso acaba com o mercado", critica Mari.
Autor: Monika Hoegen (np)
Revisão: Roselaine Wandscheer