Olhar feminino sobre a guerra em mostra em Berlim
30 de setembro de 2017Certos acontecimentos servem para chamar a atenção para uma amarga normalidade. A morte de Anja Niedringhaus foi um desses momentos: o assassinato da fotojornalista alemã por um policial afegão, em 2014, trouxe dolorosamente à consciência o fato de que reportagem de guerra não é domínio masculino. Por outro lado, a presença de mulheres em zonas de conflito, tanto como jornalistas quanto como combatentes, não é um fenômeno exclusivamente atual.
O Das Verborgene Museum (O Museu Oculto) de Berlim apresenta até 11 de fevereiro de 2018, na mostra Cotidiano de guerra e sede de aventura – Fotógrafas de guerra na Europa 1914-1945, cerca de 70 fotografias, desenhos, revistas e documentos que testemunham o trabalho de profissionais europeias nas duas Guerras Mundiais e na Guerra Civil Espanhola.
"Olhar feminino" até que ponto?
São impressões tanto da frente de batalha como da terra natal: o atendimento de feridos nos hospitais e combates diretamente no front. Fotos de momentos aparentemente pacíficos, longe dos palcos de guerra, se alternam com mortos no campo de batalha ou a cidade de Roterdã destruída pela Força Aérea alemã em 1940.
Entre essas imagens, as das correspondentes de guerra soviéticas Natalja Bode e Olga Lander, que documentaram os combates em torno de Stalingrado a serviço do Exército Vermelho e estão sendo exibidas pela primeira vez fora da ex-União Soviética.
Um papel importante também coube a Gerda Taro, morta em 1937, aos 26 anos de idade, quando atuava no front extremo do lado das Brigadas Internacionais. Hoje ela é uma das fotógrafas de guerra mais conhecidas da Europa.
Observando-se as fotografias da mostra berlinense, uma pergunta se impõe: aqui, nos piores momentos da história, é possível reconhecer um olhar feminino? A presidente do museu Elisabeth Moortgat revira os olhos: muitas vezes ela já colocou essa questão para si e para outros, mas procura por uma resposta até hoje.
"Acho, antes de tudo, que o olhar é individualmente marcado pelo modo como uma pessoa cresce, em que meio; e aí, naturalmente, as situações de vida das mulheres representam um papel do ponto de vista histórico-social", comentou a historiadora de arte à DW.
Da propaganda ao embedded journalism
Além disso, o olhar das fotógrafas obedecia às determinações de seus empregadores. Era comum estarem a serviço das forças de combate, trabalhando para agências estatais, jornais das Forças Armadas ou do front. Elas precisavam fornecer fotografias que comprovassem a capacidade de resistência ou a inquebrantável devoção ao dever dos soldados, a fim de fortalecer a fé na vitória entre a própria população. Muitas vezes, suas imagens eram parte da propaganda.
"Depois da Primeira Guerra, chegou-se à conclusão, na Alemanha, que os fotógrafos tinham habilitação insuficiente. Assim, na Segunda Guerra, eles passavam primeiro por um treinamento na força armada para poder trabalhar, e esse treinamento os influenciava", explica Moortgat.
Também na reportagem de guerra contemporânea, o assim chamado embedded journalism, integrado nas operações de combate, é criticado por não ser independente. O fato de estar próximo demais dos militares restringe seu valor de testemunho jornalístico.
Contudo, Margot Blank, do Museu Teuto-Russo de Berlim, detecta diferenças na forma dos diferentes Exércitos da Segunda Guerra Mundial se apresentarem. "A formulação visual de uma demonização do inimigo era bem mais pronunciada na companhia de propaganda da Wehrmacht do que no Exército Vermelho": neste percebe antes uma imagem documental do inimigo do que sua demonização.
De dona de casa a aventureira de guerra
A mobilização feminina variava de país para país. As alemãs não tinham acesso ao front, pois, na autoconcepção dos nazistas, a mulher tinha a cumprir o papel de dona de casa e mãe. Com o avanço da guerra, porém, não foi mais possível sustentar esse dogma. "Eles se debateram muito com essa ruptura na visão de seu sistema", conta Elisabeth Moortgat.
Também em outros países costumava-se propagar a imagem da mulher cuidadora. Nas Forças Armadas do Reino Unido, Polônia ou da União Soviética, por outro lado, elas atuavam no front, na Primeira como na Segunda Guerra. E por toda parte a mobilização das mulheres na pátria era uma necessidade inegável nas profissões então consideradas masculinas.
Deste modo, na atual exposição são especialmente impressionantes as imagens de fotógrafas como da escocesa Christina Broom ou da amadora alemã Käthe Buchler, mostrando a ausência masculina como consequência da Primeira Guerra: sufragistas como oficiais da polícia feminina, uma cocheira dos correios, uma carregadora.
Fotógrafas de guerra na Europa 1914-1945 também responde de uma vez por todas a pergunta se ser mulher implica forçosamente uma postura pacifista.
Na Primeira Guerra Mundial, a austríaca Alice Schalek não enviava apenas fotos, mas também testemunhos oculares nacionalistas, glorificando a guerra como experiência purificadora. A sede de aventura da primeira fotógrafa credenciada, a partir de 1915, está documentada, por exemplo, numa foto tirada num passo de montanha: para obtê-la, Schalek não hesitou em tocaiar soldados austro-húngaros de fuzis em punho.