Onda populista ainda não chegou ao fim no Leste alemão
21 de setembro de 2024A Alemanha será palco de mais uma eleição estadual neste domingo (22/09) que deve resultar em mais uma demonstração de força de siglas populistas antissistema: a ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) e a Aliança Sahra Wagenknecht – Razão e Justiça (BSW), um partido de esquerda com viés socialmente conservador criado em janeiro e que leva o nome da sua fundadora.
Pesquisas apontam que a AfD e a BSW, combinadas, devem conseguir reunir cerca de 40% dos votos em Brandemburgo, estado que rodeia a capital alemã, Berlim. O pleito ocorre três semanas depois de as duas siglas conseguirem quase 50% dos votos na Turíngia e 42% na vizinha Saxônia, dois estados que, assim como Brandemburgo, também ficam no Leste alemão.
No plano simbólico, a eleição em Brandemburgo pode marcar a segunda vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial que um partido de ultradireita termina um pleito estadual alemão em primeiro lugar. A primeira vez ocorreu justamente há apenas três semanas, quando a AfD conquistou 32,8% dos votos na Turíngia.
No entanto, o pleito de Brandemburgo apresenta algumas diferenças em relação aos seus vizinhos no Leste. Na Saxônia e na Turíngia, as eleições locais marcaram um declínio para as três siglas centristas que compõem o a coalizão do governo federal liderada por Olaf Scholz: o Partido Social Democrata (SPD), os Verdes e o Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão).
Mas, em Brandemburgo, o SPD de Scholz, apesar da impopularidade do governo federal, não deve sofrer um declínio significativo. Pelo contrário, deve manter sua bancada atual. No momento, o SPD aparece em segundo lugar nas pesquisas, com entre 25% e 27%, e tem diminuído nos últimos dias a desvantagem em relação à AfD, que aparece na liderança com 27 e 29% das intenções de voto.
Por outro lado, os verdes ainda devem encolher significativamente, enquanto os liberais são há uma década irrelevantes no estado.
Ainda que o SPD não esteja diante de uma crise iminente em Brandemburgo, para Scholz a eleição não é livre de riscos.
No caso de mau resultado não captado nas pesquisas, o revés provavelmente será colocado na conta do impopular chanceler federal – reprovado por 67% dos alemães – e adicionar ainda mais pressão sobre a fragilizada tríplice coalizão do governo federal. Vários membros do SPD não escondem que torcem para que o partido adote um caminho "Kamala no lugar de Biden" nas eleições federais de 2025 e substitua Scholz por outra figura.
Caso o SPD consiga ultrapassar a AfD, a vitória provavelmente será creditada ao popular governador de Brandemburgo, o social-democrata Dietmar Woidke. Mas uma manutenção do status quo – o SPD é o partido mais votado no estado há mais de três décadas – pode trazer algum alívio para Scholz, que não deu sinais de que pretende desistir de disputar a Chancelaria novamente ano que vem.
Raio-X de Brandemburgo
Com pouco menos de 2,6 milhões de habitantes, Brandemburgo, assim como a Saxônia e a Turíngia, fica no território que compunha a antiga Alemanha Oriental comunista. Mais de 30 anos após a reunificação do país, essa região ainda apresenta padrões de votação distintos do restante da Alemanha, e nos últimos anos tem sido o principal reduto da ultradireita do país.
Apesar de ser meramente uma eleição local, as campanhas em Brandemburgo abordaram temas nacionais como política de imigração e a continuidade do auxílio alemão à Ucrânia, que são vistos de forma mais crítica por parte da população do Leste, onde há proporcionalmente menos estrangeiros e, segundo pesquisas, uma maior prevalência de opiniões favoráveis à Rússia. Pouco menos de 12% da população de Brandemburgo têm raízes imigrantes, em comparação com a média nacional de quase 30%.
Mas Brandemburgo também apresenta diferenças em relação a outros estados do Leste. Embora o estado tenha se deparado com problemas similares a de outros após a reunificação, Brandemburgo não sofreu o mesmo êxodo populacional como a Saxônia.
O estado ainda viu o renascimento de cidades, como a capital estadual, Potsdam, que se tornou um concorrido subúrbio para a classe média berlinense. Nos últimos anos, a economia estadual foi reforçada com a abertura do Aeroporto de Berlim-Brandemburgo e a inauguração de uma fábrica da Tesla, que rapidamente se tornou a maior empregadora privada do estado.
AfD mais uma vez em primeiro lugar?
Fundada em 2013, inicialmente como uma sigla eurocética de tendência liberal, a AfD rapidamente passou a pender para a ultradireita, especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016. Com posições radicalmente anti-imigração, membros que se destacam por falas incendiárias ou racistas, a legenda é rotineiramente acusada de abrigar neonazistas.
A AfD é especialmente forte no Leste. Em Brandemburgo, o partido elegeu seus primeiros deputados estaduais ainda em 2014 e em 2019 conquistou 23,5% dos votos. Neste pleito, a AfD aparece com até 29% das intenções de voto.
O diretório da AfD em Brandemburgo é liderado por Hans-Christoph Berndt, um dentista de 68 anos. Antes de entrar para a AfD em 2018, ele foi cofundador de uma associação chamada Zukunft Heimat (Pátria Futura), que organiza protestos contra refugiados e que é vigiada como extremista por autoridades policiais, que apontaram a influência de neonazistas no grupo.
Na campanha de 2024, Berndt e o diretório brandemburguês da AfD defenderam o fim da instalação de novas turbinas eólicas e a exclusão de refugiados de eventos públicos, além de fazer promessas que fogem da alçada dos governos estaduais, como retirar as sanções econômicas impostas pela Alemanha contra a Rússia.
Na reta final da campanha, o diretório local publicou nas redes sociais um vídeo produzido com inteligência artificial (IA) que mostra cenas idílicas de Brandemburgo e alemães loiros intercaladas com ruas do estado tomadas por mulheres muçulmanas de hijab, homens africanos com expressão ameaçadora e ativistas LGBT, e a mensagem de que se trata de uma eleição entre "pátria ou diversidade".
Força pessoal de governador deve levar partido de Scholz a resistir
Brandemburgo é considerado um bastião do SPD. O partido lidera o governo estadual há 34 anos, desde a reunificação da Alemanha em 1990.
De acordo com as pesquisas, o SPD aparece com um percentual de intenção de voto semelhante ao registrado no pleito de 2019, entre 25% e 27%. No entanto, o partido arrisca ficar em segundo lugar desta vez, já que a AfD aparece levemente à frente.
Ainda assim, a manutenção de um quarto do eleitorado local não deixa de ser uma consolação para o SPD, que acumulou maus resultados em diferentes pleitos estaduais no último ano. Grande parte dessa manutenção é creditada ao desempenho do atual governador, o social-democrata Dietmar Woidke, de 61 anos, que está no cargo desde 2013.
Durante sua campanha, Woidke, manteve distância do impopular Scholz, embora o chanceler federal seja deputado pelo distrito de Potsdam. Woidke também procurou se diferenciar do governo federal se mostrando crítico à política migratória dos últimos anos, defendendo mais rigor contra a entrada de migrantes irregulares. Em Brandemburgo, pesquisas mostram que a política migratória aparece no topo das preocupações dos eleitores.
Ainda que o SPD arrisque ficar em segundo lugar, com menos de 30% dos votos, 55% dos eleitores de Brandemburgo gostariam que Woidke permanecesse à frente do governo.
Woidke decidiu usar isso para pressionar parte do eleitorado, fazendo uma aposta arriscada ao afirmar que não pretende continuar à frente do governo se o SPD ficar em segundo lugar. A tática teve algum efeito, e o SPD local cresceu cerca de cinco pontos percentuais desde agosto.
Novo partido populista de esquerda deve formar sua terceira bancada estadual
O pleito de Brandemburgo também marca o terceiro teste da BSW em eleições estaduais alemãs. Fundada em janeiro pela deputada federal Sahra Wagenknecht, uma das figuras mais controversas da esquerda alemã, a legenda se apresenta para o eleitorado com uma agenda bastante heterodoxa: esquerdista em assuntos econômicos, porém mais próxima da ultradireita em questões como imigração e diversidade.
Antes de lançar a BSW, Wagenknecht era uma figura proeminente da legenda A Esquerda, formado em 2007 em parte por remanescentes do antigo partido comunista da Alemanha Oriental. No entanto, Wagenknecht vivia às turras com seus antigos correligionários por causa da sua oposição à imigração ilegal e ao "identitarismo".
Ao lançar sua legenda, Wagenknecht não escondeu seu desejo de tentar atrair eleitores da classe trabalhadora que debandaram para a AfD nos últimos anos.
No início de setembro, nos pleitos estaduais da Saxônia e Turíngia, a BSW estreou localmente conquistando 11,8% e 15,8% respectivamente, indicando que havia mesmo um filão de eleitores interessados no tipo de "mistura" que Wagenknecht vem oferecendo.
Em Brandemburgo, a sigla de Wagenknecht, que fez uma campanha recheada de críticas ao apoio do governo alemão à Ucrânia, aparece com até 14% das intenções de voto. O candidato oficial da BSW ao cargo de governador é o juiz trabalhista e ex-social-democrata Robert Crumbach, de 61 anos, um desconhecido. Nos cartazes eleitorais da legenda no estado, Sahra Wagenknecht é a grande estrela.
Verdes, liberais e Esquerda definham em Brandemburgo
Se os social-democratas de Brandemburgo ainda demonstram força, o mesmo não pode ser dito sobre os verdes e liberais, que compõem a tríplice coalizão partidária que governa a Alemanha.
Pesquisas mostram que os verdes devem amargar apenas 4% dos votos no estado – sete pontos a menos do que em 2019. Com esse desempenho, o partido arrisca ficar abaixo da cláusula de barreira de 5% e terminar sem bancada no Parlamento local.
Os liberais de Brandemburgo, por sua vez, não conseguem superar a cláusula de barreira desde 2014. Pesquisas apontam que eles devem conquistar apenas ínfimos 2% dos votos. Os percentuais devem se somar aos maus resultados que as duas siglas registraram na Saxônia e na Turíngia.
Já o partido A Esquerda, que vem sangrando com a saída de Wagenknecht, aparece à beira da extinção em Brandemburgo, com entre 3% e 4% das intenções – bem abaixo dos 10,7% conquistados no último pleito estadual, em 2019.
Mudanças na coalizão de governo?
Na Alemanha, o sistema para a formação de governos estaduais também é parlamentarista. O partido que obtém mais da metade dos assentos no parlamento local conquista o posto de governador do estado. Mas, como nem sempre um partido sozinho conquista tantos assentos, muitas vezes é preciso que as legendas mais votadas costurem coalizões com outras siglas para garantir governabilidade.
Mesmo que a AfD termine a eleição em primeiro lugar, é considerado certo que a sigla não terá condições de liderar o governo de Brandemburgo, já que todos os outros partidos excluíram a possibilidade de formar alianças com os ultradireitistas.
Analistas apontam que o cenário se desenha para que o SPD continue à frente do governo, ainda que não seja certo se sob a liderança do atual governador Dietmar Woidke, caso ele cumpra sua promessa de renunciar se o partido terminar em segundo lugar.
No momento, Woidke lidera uma tríplice coalizão formada pelo SPD, a União Democrata-Cristã (CDU, o partido da ex-chanceler Angela Merkel) e os Verdes, que contam com 50 das 88 cadeiras no Parlamento de Brandemburgo. Pelas pesquisas, tanto o SPD quanto a CDU devem conseguir manter suas bancadas atuais. A CDU aparece com até 16% das intenções de voto.
Mas o encolhimento previsto dos verdes, que arriscam perder toda a sua bancada de dez deputados, deve levar a rearranjos na coalizão.
Nesse cenário, a BSW de Wagenknecht aparece como o partido mais propenso a assumir o lugar. Se isso for confirmado, Wagenknecht reforçará sua posição de "fazedora de reis" em nível estadual. Na Saxônia e na Turíngia, o partido da populista de esquerda já está em negociações com outras siglas para integrar coalizões que visam isolar a ultradireitista AfD.