No momento estou na Alemanha, na supostamente boa e velha Europa. Muita coisa se encontra em estado deplorável. É raro eu pegar um trem pontual, há sempre algum problema: defeito nos trilhos, na sinalização, no ar-condicionado, pessoas nos trilhos, falta de maquinistas. Não se trata de uma situação passageira, o problema é estrutural.
Igualmente difícil acreditar que na industrializada Alemanha a internet funcione mal, em alguns locais a recepção é nula ou apenas limitada. Também me surpreendi com os muitos estabelecimentos comerciais em que só se pode pagar com dinheiro vivo.
No noticiário alemão, escuta-se agora diariamente que a indústria está emigrando porque a eletricidade é cara demais, a burocracia atrapalha tudo e faltam especialistas. De fato, o país carece de técnicos e professores, especialistas em TI, engenheiros e cientistas. Ao mesmo tempo, vão imigrando cada vez mais pessoas de baixa formação sem perspectivas para preencher as vagas de emprego em aberto.
Por sua vez, os estrangeiros profissionalmente qualificados abandonam a Alemanha, que lhes parece excessivamente complicada e fechada. O problema é agravado pelo envelhecimento da sociedade: o alemão médio tem 45 anos (o brasileiro médio, 33). Está totalmente em aberto quem há de cuidar de todos os idosos e custear-lhes as aposentadorias. O país se encaminha para uma crise demográfica.
Todas essas falhas redundaram numa grande insatisfação: aonde quer que se vá, o povo esbraveja. A sensação de crise é aproveitada e agravada pelo partido extremista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) que atualmente consta nas enquetes como o mais forte do Leste alemão.
Acima de todos os problemas estruturais, pairam ainda duas grandes crises. Uma é a guerra na Ucrânia, que não quer ter fim, também porque o mundo não é unânime em condenar o criminoso fascista Vladimir Putin – com a corresponsabilidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A segunda grande crise é a mudança climática, cujos sintomas a cada ano se tornam mais óbvios na Europa: incêndios devastadores, inundações, calor, seca, escassez d'água.
Pix, digitalização, energia, democracia: Brasil à frente
Por que estou contando isso tudo? Porque na comparação me ocorreu que o mundo pode, sim, aprender com o Brasil em diversos aspectos. Na Alemanha, costumam me perguntar sobre três coisas, em relação ao Brasil: criminalidade, a destruição da floresta amazônica, o caos cotidiano. Minha resposta é que tudo isso é lamentável, mas que os alemães deviam ser menos arrogantes e, em vez disso, aprender.
Um bom exemplo é sistema de pagamento eletrônico Pix, que simplificou as vidas de milhões. É rápido e transparente e não há nada comparável na Alemanha. A administração pública alemã deveria tomar como exemplo a digitalização dos serviços públicos no Brasil. Até recentemente, era praticamente impossível lidar com questões administrativas online.
Desde sempre admiro o sistema eleitoral brasileiro: veloz e seguro, capaz de fornecer resultados confiáveis num prazo de horas apesar do tamanho do país. Comparando com o atrasado e caótico sistema dos Estados Unidos, parece estar anos-luz adiante. Também na Alemanha, até hoje as cédulas são preenchidas e aferidas à mão.
Igualmente interessante e antes ignorado em âmbito mundial, é o fato de que o Brasil produz dois terços de sua eletricidade em usinas hidrelétricas, e atualmente vivencia uma intensa expansão das energias eólica e solar. São gigantescos os parques eólicos do Nordeste, com sua abundância de vento.
Quase ninguém sabe na Alemanha que já há décadas o país sul-americano fabrica veículos flex, ou seja, movidos a gasolina e etanol, e que o número dos automóveis a gás é igualmente enorme.
Também impressionante é a rapidez com que se mudou a marcha na Amazônia, da orgia de destruição dos últimos anos, para um grau inegavelmente maior de controle e proteção. Já mostram efeitos positivos na região as atividades do Ibama, agora revitalizado.
Apesar de todo o barulho que o bolsonarismo continua provocando, é preciso reconhecer que o Brasil se autolibertou do ultradireitista Jair Bolsonaro . O Estado agora investiga de modo exemplar a corrupção de seu clã e seu entorno, assim como as intenções de golpe.
Nesse ponto a Justiça brasileira procede de forma muito mais consequente do que, por exemplo, a americana em relação a Donald Trump. O fato de Bolsonaro já ter sido declarado inelegível é um forte sinal de que a democracia nacional é resiliente.
Para completar a imagem positiva do Brasil, a inflação parece estar sob controle e a economia cresce moderadamente. Enquanto isso, a Alemanha vai resvalando para a recessão.
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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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