Pode um só homem colocar fim a árduas décadas de aproximação? Se isso acontecer, este 20 de janeiro de 2017 poderá significar o início de uma era de relações marcadas pela rudeza entre os Estados Unidos e o México. Uma rudeza tão longa e alta como as mil milhas do muro de Donald Trump.
A probabilidade que, aos 70 anos, Trump, o novo presidente dos Estados Unidos, mude de personalidade e de estilo é reduzida, especialmente se todos se limitam a lamentar seu tom e modos em vez de exigir outros.
Está em aberto se as estruturas oficiais de uma democracia forte como a americana conseguirão elevar a sensibilidade diplomática do mandatário, e persiste a esperança de que, em seus primeiros cem dias, ele se aprofunde no ABC da etiqueta internacional.
Mas, desde já, deve prevalecer a consciência imediata de que a opinião pública não tem que aceitar maus-tratos verbais nem de qualquer outro gênero de ninguém, muito menos do presidente da maior potência democrática deste planeta.
Na política, nos negócios e no cotidiano, bons modos é algo básico. Um Make America great again sem cortesia, educação e protocolo não deixa de ser um slogan vazio e sem substância para grandeza nenhuma. E está equivocado quem acredita que a rudeza do novo mandatário vai se limitar às humilhações e ameaças aos seus vizinhos mexicanos.
Os Estados Unidos não são uma ilha solitária num planeta deserto. O ano de 1846 parece uma data distante, mas na história da humanidade foi ontem que a conquista territorial fez dos EUA uma potência continental com as riquezas adquiridas às custas do México: extensos campos de petróleo no Arizona, jazidas de ouro e prata na Califórnia e os portos da costa do Pacífico.
A grandeza do passado e do presente foi alcançada com o apoio de muitos países, entre eles o México. Por isso e por outros motivos, os Estados Unidos, baluartes da democracia e da liberdade, devem ao mundo inteiro e, especialmente aos seus vizinhos do sul, um tratamento exemplar e justo. O muro de Trump representaria exatamente o contrário: um incentivo oficial à discriminação e ao racismo. Uma ruptura com toda as medidas civilizatórias.
A interdependência que resultou da integração feita por México, Estados Unidos e Canadá, juntos desde 1994, é enorme. As empresas americanas têm aumentado seus investimentos em território mexicano a um ritmo constante nas últimas décadas. Os mexicanos e seus vizinhos, especialmente os sócios comerciais americanos e canadenses, têm a obrigação de exigir uma relação digna e segura e o fim de políticas e discursos explosivos. Tão grande quanto os lucros é também a sua responsabilidade. Concerne a todos saírem às ruas, como fizeram, neste sábado, milhões de mulheres, e não só nos Estados Unidos. É hora de exigir pontes e não muros!