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Argentina tem o dever de esclarecer atentado

Astrid Prange (as/rpr)19 de janeiro de 2015

Morte do promotor Alberto Nisman, chefe da investigação sobre o ataque antissemita de 1994, é sinal de alerta para sociedade argentina: a verdade não pode se subordinar a interesses políticos, opina Astrid Prange, da DW.

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Foto: DW/P. Henriksen

O promotor Alberto Nisman comandava desde 2005 a comissão de 60 investigadores para esclarecer o atentado ao prédio da comunidade judaica Amia em Buenos Aires, em julho de 1994. O ataque a bomba, que deixou 85 mortos e 30 feridos, é até o hoje o maior crime antissemita da história da Argentina.

Só que, até agora, as buscas pelos responsáveis não deram em nada. Em 4 de setembro de 2004, dez anos depois do atentado, todos os acusados foram liberados por falta de provas. Em 2005, com base em graves erros processuais, o então presidente Néstor Kirchner incumbiu Nisman de reabrir as investigações.

Elas resultaram em pesadas acusações à presidente Cristina Kirchner, viúva e sucessora de Néstor Kirchner. Nisman acusou o Irã de ser responsável pelo atentado, e a presidente, de impedir o seu esclarecimento por motivos políticos e econômicos. Ela teria acertado o fornecimento de petróleo por Teerã em troca da impunidade dos suspeitos iranianos.

O promotor não ficou só nas acusações. Em 15 de janeiro de 2015, ele denunciou a presidente e o ministro do Exterior, Héctor Timerman, por suposto encobrimento do ataque à Amia. Além disso, ele pretendia prestar depoimento, nesta segunda-feira (19/01), à comissão de Legislação Penal da Câmara dos Deputados, no qual forneceria mais detalhes.

As acusações feitas por Nismans não saíram do nada. Em 2011, a imprensa argentina já havia noticiado negociações secretas entre Buenos Aires e Teerã, que levaram a um memorando bilateral, assinado em fevereiro de 2013, na Etiópia. Nele, os dois países se comprometeram a criar uma comissão da verdade, com especialistas internacionais, para examinar todos os documentos do caso Amia.

O acordo, que gerou controvérsia na Argentina, confirmava de forma retroativa a "normalização" das relações econômicas e diplomáticas entre os dois países. Em 2005 e 2006, elas haviam chegado a um limite mínimo, as trocas comerciais estavam praticamente paralisadas.

O motivo era o bloqueio do governo iraniano, que recebeu com irritação a decisão do juiz Rodolfo Canicoba Corral, até hoje responsável pelo caso, de ordenar a detenção de oito cidadãos do Irã considerados mentores do atentado à Amia.

Os mandados de prisão jamais foram executados. Em vez disso, as exportações argentinas para o Irã deram um salto em 2007 e 2008. Em 2012, elas chegaram a 1 bilhão de dólares, segundo o órgão oficial de estatísticas argentino. Já o trabalho da comissão da verdade bilateral jamais deu resultados concretos.

Nisman queria mudar isso. Sua morte, ainda não esclarecida, é um sinal de alerta para a sociedade argentina não subordinar a verdade a interesses políticos ou econômicos. O esclarecimento do atentado não é apenas um dever da Argentina perante as vítimas e seus familiares – ele é também decisivo para a sua existência como nação e sua condição de Estado de Direito democrático.