Opinião: Ditaduras socialistas com verniz democrático
3 de agosto de 2016Em maio de 1945, o político Walter Ulbricht lançava a diretiva para a fundação da República Democrática Alemã (RDA): "Tem que parecer democrático, mas nós precisamos estar com tudo nas mãos."
E, no entanto, bem se sabe no que a coisa deu. Já ao lançar o slogan da pseudodemocracia, ele mandou o Grupo Ulbricht, controlado pela União Soviética, para combater supostos adversários, em vez de construir novas estruturas na Berlim devastada.
Ulbricht foi a figura mais marcante de quase todo o primeiro quarto de século da RDA, a ditadura socialista da Alemanha. Esse Estado não conseguiu concluir um segundo quarto de século.
No entanto, a tática comunista de despistamento convenceu durante muitos anos, até que, em 1989, houvesse suficientes cidadãos fartos com o sistema para fazer cair o Muro de Berlim. E não eram apenas idealistas que acreditavam na própria revolução e queriam erguer uma Alemanha nova e melhor, após a ditadura nazista. Também alemães perfeitamente normais, cansados da guerra, tinham esperança de um futuro melhor no socialismo.
E mesmo na ocidental República Federal da Alemanha (RFA), até o fim a RDA tinha adeptos numerosos, que acreditavam seriamente no infindável "caminho para o comunismo", e o chamavam de democrático.
Hoje, também na Venezuela é cada vez menor o número dos verdadeiros partidários do socialismo em sua variante bolivariano-chavista. A devastadora crise de abastecimento atinge com mais força justamente os grupos mais pobres da população, que de início se beneficiaram com as reformas bolivarianas – enquanto os mais abastados pelo menos ainda conseguem comprar medicamentos no exterior.
Quanto mais o governo fracassa, com suas receitas do século passado, mais bizarras se tornam suas contorções pseudodemocráticas.
O comitê eleitoral dominado por chavistas acha sempre novos pretextos para adiar o referendo pela deposição do presidente Nicolás Maduro. Numa hora a jornada de trabalho precisa ser reduzida devido à crise de energia; em outra fala-se de fraude eleitoral em massa; em outra, de prazos não cumpridos.
O fato de agora, finalmente, o governo ter reconhecido as assinaturas necessárias à primeira fase do referendo, só denota a intenção de manter a fachada de democracia. Pois, já no mesmo dia, foi anunciada mais uma prova – associada à declaração inequívoca de que o referendo não transcorrerá antes do próximo ano.
A essa altura, Maduro ainda poderá ser derrubado, mas como só estarão faltando menos de dois anos para o fim de seu mandato regular, não haveria eleições antecipadas, mas sim o vice-presidente socialista dele como sucessor.
A separação dos poderes há muito já foi abolida na Venezuela. Desde a esmagadora vitória da oposição nas urnas, a Assembleia Nacional está paralisada, todas as demais instituições estão firmes nas mãos dos chavistas.
Contudo a quimera democrática ainda funciona no exterior. Enquanto os venezuelanos passam fome e pessoas morrem por falta de medicamentos, a comunidade internacional aposta em laboriosas mediações. Contanto que a aparência seja democrática, não há por que se alterar.
O mesmo vale para a Nicarágua. O resto do mundo não dá a mínima para o fato de o presidente Daniel Ortega ter acabado de reintroduzir o sistema unipartidário, ao excluir a oposição da Assembleia Nacional. Afinal, os sandinistas de Ortega apresentaram como justificativa algumas resoluções que eles mesmos redigiram.
O homem que, no século passado, traiu sua própria revolução sandinista, utiliza agora sua segunda chance democrática para abolir a democracia. Nas "eleições" de novembro, a maioria de Ortega está garantida.
No palco internacional, os dirigentes da Nicarágua e Venezuela podem contar com a mesma mistura de idealismo ingênuo e indiferença que também cuidaram durante anos para que a RDA mantivesse sua reputação e respeito enquanto Estado.
Em seguida à queda do Muro, social-românticos desiludidos de todo o mundo encontraram uma nova pátria espiritual nas revoluções bolivarianas da América Latina. O apoio deles a todos os experimentos socialistas, até o mais amargo fim, é coisa certa. E os realistas? Praticam realpolitik, a política prática – com a Turquia, com a Rússia, com a China. Mas também em 1989 foi assim, e isso dá esperanças.