Se Luiz Inácio Lula da Silva estiver certo, nada menos que a independência do Brasil está em jogo nas próximas eleições. Segundo o candidato presidencial do PT, uma derrota nas urnas significa o fim da democracia. É uma atitude estranha em relação a eleições livres e seus resultados. Não se distancia muito dos comentários indescritíveis do presidente populista de direita Jair Bolsonaro sobre manipulações do resultado eleitoral, sem qualquer evidência.
O jornal Estadão escreveu há poucos dias que Lula insulta e trata os brasileiros que não querem votar nele como "inimigos". O experiente ex-chefe de Estado, que governou o Brasil de 2003 a 2011, optou deliberadamente por esse estilo agressivo de campanha, usando métodos semelhantes aos do controverso atual ocupante do cargo.
É por isso que a classificação de ambos em populismo de esquerda e de direita está correta, mesmo que o campo lulista não queira ter nada a ver com isso. Populista é sempre o outro lado.
"Diabos e demônios" contra "Ku Klux Klan"
Se as pesquisas estiverem certas, Lula, como vencedor das eleições, assumirá um país polarizado até os ossos em 1º de janeiro de 2023. E não se pode culpar apenas as declarações odiosas de Bolsonaro, mas também os ataques verbais de Lula. Chamar os participantes de manifestações pró-Bolsonaro de membros da Ku Klux Klan se encaixa nos padrões verbais que Lula tem usado atualmente.
Enquanto Bolsonaro e sua esposa Michelle falam sobre salvar o Brasil dos demônios, do diabo, do comunismo, e chamam Lula de ladrão, o ex-presidente rebate dizendo que precisa proteger o Brasil do fascismo, da Ku Klux Klan e da falta de liberdade, e chama Bolsonaro de genocida.
Passadas as eleições, como será possível a reconciliação com a parcela derrotada do eleitorado brasileiro, quando os "outros" são compostos apenas de fascistas, comunistas, diabos, demônios, ladrões, genocidas ou da Ku Klux Klan?
Saldo devastador – de ambos os lados
Há uma razão para esta campanha eleitoral liderada por populistas. E é o histórico dos dois cães alfa da política. Depois de quatro anos de Bolsonaro, o Brasil entrou numa verdadeira crise social devido à gestão do atual chefe de governo. Em tais situações, seria realmente necessário um curso conciliatório vindo do lado oposto para construir pontes novamente.
Mas os ataques verbais são uma tentativa óbvia de Lula de desviar a atenção de seu próprio histórico e do de seu Partido dos Trabalhadores. Em última análise, foi a profunda decepção dos eleitores com o estado deplorável do país após 13 anos de PT que levou Bolsonaro ao poder em 2019, após um breve interlúdio de Temer – e não somente as notícias falsas proliferadas pela direita, como populistas gostam de alegar.
Neste século, sob nenhum outro presidente tanta Floresta Amazônica foi derrubada como sob Lula. Até hoje, sua responsabilidade política pelos gigantescos escândalos de corrupção envolvendo as corporações Odebrecht e Petrobras não foi esclarecida. Sua decisão de trazer a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos para o país enquanto hospitais e escolas decaíam levou a um desastre econômico e a uma cisão social.
E se Lula acusa corretamente Bolsonaro de minimizar a ditadura militar brasileira, então também deve-se considerar o apoio de Lula aos regimes de esquerda brutais e repressivos em Cuba, Venezuela e Nicarágua, onde pessoas morrem todos os dias tentando escapar.
Ruído em vez de solução
Ataques contra o adversário político fazem as redes sociais ferverem e distraem. Eles impedem debates sobre as causas dos problemas reais do país, nos quais ambos os favoritos à eleição têm seu papel.
Contudo, o verdadeiro drama dos discursos insultuosos à democracia é que as alternativas menos agressivas certamente existentes nas urnas se perdem no turbilhão de insultos. E assim o populismo vence. Mais uma vez.
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Tobias Käufer é correspondente na América Latina e escreve de Bogotá e do Rio de Janeiro para a DW, Die Welt e outros jornais.
O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.