Mais repressão não conterá terrorismo na China
22 de maio de 2014Até o momento, ninguém assumiu a autoria do novo atentado terrorista no noroeste da China. O mesmo ocorrera em relação a outros atentados recentes, que Pequim atribuiu a separatistas uigures. Mas, caso uma organização esteja, de fato, por trás dos atos que mataram mais de 30 pessoas em Urumqi, capital da província de Xinjiang, é preciso que ela saiba: nada pode justificar um derramamento de sangue sem sentido como esse.
O atentado não foi nenhum ato heroico, mas sim ato de violência cega contra inocentes. Nossos pensamentos estão com as vítimas – gente que, naquela manhã, nada mais queria do que comprar frutas, legumes, carne, ou ganhar a vida numa barraca de feira.
Ao mesmo tempo, o ataque terrorista mostra que não se pode impedir esse tipo de violência com mais repressão apenas. A população da província de Xinjiang é formada majoritariamente pelo povo turcomano islâmico dos uigures. Tanto na capital Urumqi como em outras de suas cidades, é difícil imaginar uma presença das forças de segurança armadas mais ostensiva do que a atual. Também é praticamente impossível ampliar ainda mais as atividades dos serviços secretos na região.
Os uigures estão sob suspeita generalizada na China desde 2009, época, em que explodiram, numa orgia de violência, as tensões étnicas mal ocultas sobre um manto de harmonia sob comando. Após a morte de dois trabalhadores itinerantes da etnia turcomana no sul do país, os uigures de Xinjiang passaram a atacar os han, grupo étnico que abarca mais de 90% da população chinesa, com saldo de cerca de 200 mortos.
O Partido Comunista da China coloca toda iniciativa em prol dos interesses uigures sob a suspeita de separatismo ou de islamismo. Vozes moderadas, que tentam incentivar o intercâmbio entre os membros da etnia han e uigur, são desacreditadas e caladas. O resultado é semelhante ao que, segundo alguns observadores, ocorre em relação ao Tibete: com sua política de "mão pesada", Pequim também antagoniza aqueles que não são contra a liderança chinesa, por princípio.
O governo em Pequim mostra-se espantado que os uigures não estejam felizes com o desenvolvimento econômico em seu território e que não se tornem adeptos fervorosos do Partido Comunista. Aí, os funcionários esquecem que quem se beneficia desse avanço são sobretudo os chineses han que migraram para a região. Os uigures nativos são inegavelmente prejudicados: eles nada têm a dizer, quer na economia, na política ou na administração.
E os funcionários também mostram não compreender que preservar a própria identidade cultural vai além do mero folclore. Os uigures têm, de fato, permissão para dançar em trajes típicos coloridos ou entoar alegres canções na televisão ou para os turistas. Ao mesmo tempo, contudo, grandes trechos da zona histórica da cidade de Kashgar são demolidos, sem qualquer possibilidade de ingerência por parte dos atingidos. O fato de os funcionários públicos serem proibidos de usar barba em serviço, de toda atuação religiosa ser contemplada com suspeita, só reforça para os uigures a sensação de serem estrangeiros no próprio país.
Mais um aspecto: na China, com frequência crescente, agressores isolados descarregam sua ira acumulada em injustificadas orgias sangrentas. Justamente na véspera dos acontecimentos em Urumqi, um homem movido pelo desespero matou sete pessoas a facadas na província de Henan, no centro da China. Cada vez mais ocorrem também atentados e agressões em escolas e jardins de infância, onde fracos procuram vítimas ainda mais fracas.
Naturalmente Pequim deve e vai tentar desvendar as circunstâncias do ataque em Urumqi. Mas seria sensato o governo chinês não responsabilizar todo um povo por algo que talvez não passe do ato de indivíduos desorientados.
E, no que tange a sua "política da mão pesada": será um bom médico aquele que simplesmente dá a seu paciente mais e mais de um remédio que não funciona, mas que tem numerosos efeitos colaterais?